Airbnb lista imóveis em Xinjiang ligados a empresa sancionada pelos Estados Unidos

Entre os centenas de imóveis disponíveis na região, 14 ficam em área pertencente a uma empresa paramilitar sancionada pelo Tesouro dos EUA

O site norte-americano de aluguéis Airbnb tem mais de uma dezena de imóveis disponíveis para locação na região chinesa de Xinjiang. São residências localizadas em área pertencente a uma corporação paramilitar sancionada pelo Departamento do Tesouro dos EUA, o que, em teoria, configura irregularidade por parte do Airbnb. As informações são do site Axios.

O Airbnb possui centenas de imóveis disponíveis na região de Xinjiang. Entretanto, a restrição se aplica em 14 casos, de imóveis associados à empresa estatal chinesa Xinjiang Production and Construction Corps (XPCC). Ao permitir que eles sejam alugados através de seu sistema, a companhia norte-americana se expõe ao risco de ser punida por negociar com uma entidade sancionada.

Paralelamente à questão legal, há o fator ético. Isso porque a comunidade uigur de Xinjiang sofre com abusos por parte de Beijing que alguns governos e entidades internacionais classificam como genocídio. O fato levou grandes empresas a boicotarem produtos provenientes de lá, como o algodão, cuja produção é associada ao trabalho forçado desempenhado pelos uigures e muitas vezes gerido pela XPCC.

Vista aérea de Urumqi, capital da província chinesa de Xinjiang, em julho de 2017 (Foto: WikiCommons/ Anagoria)

Xinjiang, Cuba e Crimeia

Na listagem dos imóveis, alguns fazem referência à empresa chinesa. Um deles diz que é localizado na “Sétima Companhia do Regimento de Cavalaria da XPCC” e que os hóspedes podem usufruir da “cultura de cavalaria da XPCC”. Outro usa o nome no título, “Casa de Fazenda XPCC”.

O Airbnb se defende, nega irregularidades e diz que as locações sequer se justificam financeiramente. Segundo a empresa, os 14 imóveis no território da XPCC renderam somente US$ 6,5 mil nos últimos 12 meses, e cinco deles não foram alugados nenhuma vez durante esse período.

“Levamos nossa obrigação de cumprir as regras do Tesouro dos EUA de forma incrivelmente séria. As regras do OFAC (Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro, da sigla em inglês) exigem que o Airbnb faça a triagem das partes com as quais estamos negociando, não dos proprietários de terras subjacentes”, diz Christopher Nulty, porta-voz da empresa.

A verdade é que a situação não é nova para o Airbnb, que no ano passado apresentou voluntariamente dados sobre a atividades de usuários em Cuba e na Crimeia, onde também existem sanções dos EUA em vigor. Os casos relativos à Crimeia, região ucraniana ocupada pela Rússia desde 2014, foram resolvidos sem penalidade, enquanto os de Cuba ainda estão em andamento.

Sanções governamentais

A XPCC foi sancionada pelo Tesouro em julho de 2020, ainda no governo Trump. A empresa é responsável pela gestão de alguns dos campos de detenção de uigures em Xinjiang, que a China classifica como “campos de reeducação”, e também atua na produção de algodão. Conforme o ato de Washington, as sanções “proíbem todas as transações” que “envolvam qualquer propriedade ou interesse na propriedade” da entidade sancionada.

Isaac Stone Fish, fundador e CEO da Strategy Risks, uma empresa especializada em avaliar riscos relacionados à China e a Xinjiang, não vê com bons olhos a listagem dos imóveis pelo Airbnb. Segundo ele, tais operações “representam um nível inaceitavelmente alto de risco regulatório e de reputação para a empresa nos Estados Unidos”.

Em julho deste ano, os Estados Unidos incluíram 14 novas empresas chinesas em sua lista de restrições de comércio, sob a alegação de estarem associadas aos abusos cometidos contra os uigures. O Departamento de Comércio alega que as empresas “permitiram a campanha de repressão, detenção em massa e vigilância de alta tecnologia de Beijing contra uigures, cazaques e membros de outros grupos minoritários muçulmanos” na província chinesa de Xinjiang.

Mais recentemente, em outubro, a Universal Eletronics Inc. (UEI), empresa norte-americana que fabrica controles remotos para algumas das gigantes da tecnologia global, admitiu ter firmado um acordo com o governo da província para empregar cerca de 400 pessoas da etnia uigur. Foi o primeiro caso de uma companhia dos EUA suspeita de ligação com um sistema laboral classificado como trabalho forçado.

Por que isso importa?

A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.

O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país. .

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.

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