Grandes potências ampliaram a ameaça nuclear global no ano passado, aponta estudo

Estados continuam a modernizar seus arsenais e têm hoje 86 ogivas a mais em estoque para uso potencial que no início de 2022

A ameaça nuclear global aumentou consideravelmente entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, com uma quantidade maior de ogivas à disposição das forças armadas das grandes potências. É o que aponta um estudo publicado nesta semana pelo think tank sueco Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI na sigla em inglês).

Em janeiro deste ano, o estoque global total ogivas era de 12.512, sendo que 9.576 estavam em estoques militares para uso potencial. Trata-se de um aumento de 86 ogivas operacionais em relação ao que se registrava em janeiro de 2022, indicando uma maior prontidão das grandes potências para um eventual ataque.

Dessas mais de 9,5 mil ogivas, 3.844 foram implantadas em mísseis e aeronaves. Já outras duas mil, quase todas pertencentes a Rússia ou EUA, foram mantidas em estado de alerta operacional máximo, o que significa que foram instaladas em mísseis ou mantidas em bases aéreas que hospedam bombardeiros nucleares.

Míssil russo com capacidade nuclear (Foto: reprodução/Facebook)

O estudo mostra que Moscou e Washington continuam na liderança absoluta do ranking nuclear, com 90% de todas as ogivas do mundo. A China, porém, tem reduzido a diferença e aumentou seu arsenal de 350 para 410 ogivas ao longo desse último ano.

“A China iniciou uma expansão significativa de seu arsenal nuclear”, diz Hans M. Kristensen, associado sênior do programa de armas de destruição em massa do SIPRI. “É cada vez mais difícil enquadrar esta tendência com o objetivo declarado da China de ter apenas as forças nucleares mínimas necessárias para manter sua segurança nacional.”

O país asiático gastou US$ 11,7 bilhões em seu programa nuclear em 2021, segundo a Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares (Ican, da sigla em inglês). Representa menos de um terço do que se acredita que Washington tenha gastado.

O caminho é longo para os chineses alcançarem a paridade nuclear com os EUA, mas eles não mostram qualquer sinal de desaceleração. O objetivo é ter à disposição 1,5 mil ogivas nucleares até o ano 2035, de acordo com avaliação do Pentágono reproduzida pela agência Associated Press em novembro de 2022.

Os dados anteriores, de 2021, indicavam que a China planejava atingir a marca de 700 ogivas nucleares ativas até 2027, tendo a meta de mil ogivas até 2030. Agora, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos divulgou um relatório complementar com a nova meta chinesa, que sugere uma ampliação do arsenal nuclear em velocidade bem superior à imaginada anteriormente.

Corrida nuclear

É inegável que o mundo vive hoje uma nova corrida nuclear. Mesmo nações que não aumentaram seu arsenal nos últimos anos tendem a fazê-lo no futuro próximo. Caso do Reino Unido, que planeja ampliar o número de ogivas de 225 para 260 e deixará de divulgar publicamente tais dados. Já a França manteve o programa para desenvolver um submarino de mísseis balísticos movidos a energia nuclear e um novo míssil de cruzeiro.

Índia e Paquistão, por sua vez, travam uma perigosa competição que parece levar ambos a ampliarem seus arsenais, enquanto a Coreia do Norte “continua a priorizar seu programa nuclear militar como elemento central de sua estratégia de segurança nacional”, de acordo com o SIPRI.

Israel completa a lista de países com armas nucleares, embora não o reconheça publicamente. E, de acordo com o estudo sueco, acredita-se que o país esteja modernizando seu arsenal.

“A maioria dos Estados com armas nucleares está endurecendo sua retórica sobre a importância das armas nucleares, e alguns estão até fazendo ameaças explícitas ou implícitas sobre o potencial de usá-las”, disse Matt Korda, pesquisador associado do programa de armas de destruição em massa e pesquisa sênior do SIPRI. “Esta competição nuclear elevada aumentou dramaticamente o risco de que armas nucleares possam ser usadas com raiva pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.”

O documento cita a guerra da Ucrânia como um gatilho para a retomada dos programas nucleares, com a saída de Moscou do Novo START (Tratado de Redução de Armas Estratégicas, da sigla em inglês), dando fim ao diálogo estratégico entre EUA e Rússia.

Mesmo o Irã, que não tem armas nucleares, passou a enriquecer urânio em quantidade preocupante, levantando questionamentos sobre a possibilidade de o país em breve desenvolver sua primeira ogiva.

“Neste período de alta tensão geopolítica e desconfiança, com canais de comunicação entre rivais com armas nucleares fechados ou funcionando mal, o risco de erros de cálculo, mal-entendidos ou acidentes são inaceitavelmente altos”, diz Dan Smith, diretor do SIPRI, citando um cenário que claramente remete à atual falta de diálogo entre os governos norte-americano e chinês.

Ele avalia que o mundo está atualmente entrando “em um dos períodos mais perigosos da história da humanidade”. E acrescenta: “Há uma necessidade urgente de restaurar a diplomacia nuclear e fortalecer os controles internacionais sobre as armas nucleares.”

Tags: