Compradores de imóveis na China se mudam para prédios inacabados

Grupos têm ocupado apartamentos “apodrecidos”, por necessidade financeira ou para pressionar pela conclusão das obras

Presos em um limbo em meio à enorme crise imobiliária do país, compradores de imóveis na China, cansados de esperar pela entrega das chaves e frustrados pela promessa de receber um novo lar no qual invariavelmente investiram todas as economias familiares, decidiram ocupar as residências mesmo inacabadas. O fenômeno tem ocorrido por dois motivos: extrema necessidade ou para forçar desenvolvedores locais e autoridades a concluírem as obras paralisadas. As informações são da agência Reuters.

Esse grupo fixou um precário formato de moradia no que vem sendo chamado de apartamentos “apodrecidos”. A situação é resultante de um cenário em que, sem dinheiro, inúmeras construtoras tiveram de interromper os trabalhos por conta da profunda recessão que o setor enfrenta no país.

Um exemplo vem da cidade de Guilin, no sul, onde uma mulher de 55 anos, que identificou-se apenas como Xu, vive junto de outros 20 moradores em um prédio no condado de Xiulan. Lá, todos compartilham um único banheiro improvisado ao ar livre e se reúnem durante o dia em uma mesa ou em bancos espalhados no pátio.

Obras paradas na China: reflexo da crise no setor imobiliário (Foto: WikiCommons)

Há seis meses, o lar de Xu é um quarto que tem como único luxo um mosquiteiro em um apartamento que ela adquiriu há três anos, seduzida por um anúncio que falava da vista para o rio e o ar puro da região.

As condições de vida, no entanto, estão totalmente desconectadas das promessas que a fizeram investir seu dinheiro: as paredes estão sem pintura, a instalação elétrica não foi concluída e ela não tem gás nem água encanada. A solução é subir e descer vários lances de escada diariamente carregando pesadas garrafas de água.

“Todas as economias da família foram investidas nesta casa”, disse Xu.

De acordo com estimativa do Shanghai E-House Real Estate Research Institute, no mês de julho, os projetos paralisados ​​representavam 3,85% do mercado imobiliário da China no primeiro semestre de 2022, o equivalente a uma área de 231 milhões de metros quadrados.

A proliferação de apartamentos inacabados desencadeou pelas redes sociais uma desobediência coletiva nunca antes vista: no final de junho, milhares de compradores de casas em pelo menos cem cidades da China ameaçaram suspender o pagamento de hipotecas para protestar contra as paralisações das obras. O movimento é encabeçado por uma imensa quantidade de chineses que colocaram dinheiro em empreendimentos imobiliários não concluídos e estão dispostos a não honrar os pagamentos como forma de protesto.

“Se esse problema não for resolvido, afetará as transações imobiliárias, a credibilidade do governo e poderá agravar os problemas de dívida das incorporadoras”, disse Yan Yuejin, diretor de pesquisa da Shanghai E-House.

A crise imobiliária chinesa, somada aos bloqueios radicais da rigorosa política sanitária da Covid Zero, impactaram de forma severa a segunda maior economia do mundo, logo às vésperas do 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC), uma importante reunião que acontece a cada cinco anos e em 2022 está marcada para 16 de outubro e que poderá trilhar o caminho para o terceiro mandato do presidente Xi Jinping.

Desde que a crise da dívida eclodiu em 2021, puxada pela Evergrande, a incorporadora mais endividada do mundo e seu déficit de US$ 300 bilhões, milhares de compradores de casas foram prejudicados, já que desenvolvedores sem dinheiro entraram em falência ou abandonaram projetos.

Autoridades de habitação em Baoding, a cidade de onde Xu no norte do país e onde a empresa controladora da Jiadengbao Real Estate está registrada, disseram em novembro passado que o governo da cidade e o comitê do Partido Comunista criaram um grupo para resolver o problema.

“Se o governo realmente quiser proteger os meios de subsistência das pessoas e retomar a construção, voltaremos para casa”, disse Xu.

Por que isso importa?

Foi o endividamento da Evergrande que chamou a atenção para a crise imobiliária chinesa, símbolo das dificuldades enfrentadas pela economia local e seu outrora próspero setor. Depois de expandir e tomar empréstimos a uma velocidade vertiginosa, a incorporadora alega que tem lutado para juntar o dinheiro que precisa para honrar dívidas em atraso, empréstimos pendentes e salários atrasados.

Hui Ka Yan, fundador e presidente da companhia e que encabeça a lista de bilionários devedores do setor imobiliário chinês, já perdeu pagamentos de cerca de US$ 20 bilhões em títulos internacionais e ainda não ofereceu um plano de reestruturação viável para a empresa. Ele tentou restaurar a confiança no seu negócio em fevereiro, ao descartar a venda de ativos, alegando que a empresa concluiria metade de seus projetos restantes no decorrer de 2022.

No dia 21 de março, a Evergrande teve suspensa a negociação de suas ações na bolsa de Hong Kong e foi avisada de que precisa informar as autoridades locais sobre como será executada a reestruturação da companhia. No dia seguinte ao anúncio, a gigante chinesa teve cerca de US$ 2,1 bilhões em dinheiro apreendidos por bancos para o pagamento de credores.

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