Taiwan continua fortalecendo suas defesas contra uma eventual invasão por parte da China. Nos últimos dias, o governo primeiro festejou um novo pacote bilionário de ajuda militar aprovado pelo presidente dos EUA, Joe Biden. Já nesta terça-feira (27), a presidente Tsai Ing-wen anunciou que o tempo de serviço militar obrigatório na ilha será ampliado de quatro meses para um ano. O objetivo, segundo ela, é fortalecer a defesa contra o “autoritarismo” chinês.
“Ninguém quer guerra. Isso é verdade para o governo e o povo de Taiwan e para a comunidade global”, disse Tsai, segundo a agência Associated Press. “Mas a paz não vem dos céus, e Taiwan está na linha de frente da expansão do autoritarismo”.
A decisão foi anunciada um dia após Taiwan registrar a maior incursão aérea de aeronaves do Exército de Libertação Popular (ELP) chinês. Na segunda-feira (26), Taipé disse que identificou em seu espaço aéreo, ao longo de 24 horas, 71 jatos e drones militares da China.
“Os vários comportamentos unilaterais da China se tornaram uma grande preocupação para a segurança regional”, disse à agência Reuters um funcionário do governo taiwanês que participou dos debates de segurança na ilha, mas pediu para não ter a identidade revelada. “A intimidação e as ameaças da China contra Taiwan estão ficando mais óbvias”, reforçou a presidente
A movimentação levou a uma manifestação de repúdio também de Washington, que reforçou sua aliança militar com Taiwan. “Continuaremos a ajudar Taiwan a manter uma capacidade de autodefesa suficiente, alinhada com nossos compromissos de longa data e consistente com nossa política para a China”, disse o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca em comunicado.
Preparação insuficiente
A ampliação do tempo de serviço militar vinha sendo debatida desde março em Taiwan. Pelas regras atuais, instituídas em 2013, homens acima de 18 anos são obrigados a cumprir quatro meses de serviço de formação nas forças armadas, período que os críticos comparam a um “acampamento de verão”.
A dinâmica inclui cerca de cinco semanas de treinamento básico, permitindo aos participantes deduzir o tempo se tiverem feito aulas de treinamento na escola ou faculdade. Ao final da preparação, os jovens se tornam reservistas.
O recrutamento é tido como insuficiente nos principais setores da linha de frente, e a capacitação dos reservistas preocupa. Ou seja: mesmo com significativas compras de armas e aumentos no orçamento militar, há problemas de recursos humanos nas forças armadas de Taiwan.
Com a ampliação do tempo de serviço militar, o governo pretende amenizar o problema. O projeto inclui treinamento de tiro e manuseio de armamento avançado, com lançadores de mísseis terra-ar Stinger. Os reservistas também receberão instruções de combate com base nas táticas adotadas pelas forças armadas norte-americanas.
Apesar do escopo militar da medida anunciada nesta terça, o discurso de Tsai endereçado a Beijing não foi agressivo. “Taiwan quer dizer ao mundo que, entre a democracia e a ditadura, acreditamos firmemente na democracia. Entre a guerra e a paz, insistimos na paz. Mostremos coragem e determinação para proteger nossa pátria e defender a democracia”, segundo a Reuters.
O anúncio foi bem recebido pelo Instituto Americano em Taiwan, que funciona como embaixada de fato do país na ilha. “O compromisso dos Estados Unidos com Taiwan e as medidas tomadas por Taiwan para aprimorar suas capacidades de autodefesa contribuem para a manutenção da paz e da estabilidade no Estreito de Taiwan e na região”, disse órgão em comunicado.
Segundo Chieh Chung, pesquisador da National Policy Foundation, um think tank com sede em Taipé, a extensão do serviço militar pode adicionar, a partir de 2027, entre 60 mil e 70 mil combatentes por ano à atual força militar profissional da ilha, que é de 165 mil soldados. A informação foi divulgada pela agência Al Jazeera.
Parceira com Washington
Além de ampliar o tempo de serviço militar, o governo taiwanês tem aumentado os gastos com defesa, investindo principalmente em armas dos EUA. Na última sexta-feira (23), o presidente norte-americano Joe Biden assinou uma lei segundo a qual se compromete a emprestar US$ 2 bilhões a Taiwan para serem investidos no fortalecimento das capacidades de defesa da ilha.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores de Taiwan, o anúncio “demonstra a posição firme dos Estados Unidos em apoiar o fortalecimento da cooperação geral entre Taiwan e os Estados Unidos”.
Ao longo deste ano, o governo da ilha chegou a reclamar da demora dos norte-americanos em entregar armas, sobretudo os prometidos mísseis Stinger. Porem, a presidente taiwanesa afirmou agora que as arestas foram aparadas e que a situação melhorou, segundo a rede Voice of America.
Beijing, por sua vez, contestou a medida, dizendo tratar-se de uma “uma séria provocação política contra a China”, segundo a Rede Radio Free Asia. Afirmou ainda que “lamenta e se opõe firmemente a essa ação dos EUA” e que o fortalecimento militar da ilha “afeta gravemente a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan”.
Por que isso importa?
Taiwan é uma questão territorial sensível para a China, e a queda de braço entre Beijing e o Ocidente por conta da pretensa autonomia da ilha gera um ambiente tenso, com a ameaça crescente de uma invasão pelas forças armadas chinesas a fim de anexar formalmente o território taiwanês.
Nações estrangeiras que tratem a ilha como nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio “Uma Só China“, que também vê Hong Kong como parte da nação chinesa.
Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos demais países, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal parceiro militar de Taipé. Tais circunstâncias levaram as relações entre Beijing e Washington a seu pior momento desde 1979, quando os dois países reataram os laços diplomáticos.
A China, em resposta à aproximação entre o rival e a ilha, endureceu a retórica e tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação. Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que Beijing não aceitará a independência formal do território “sem uma guerra“.
A crise ganhou contornos mais dramáticos após a visita de Pelosi, em agosto. Foi a primeira pessoa na presidência da Câmara a viajar para Taiwan em 25 anos, atitude que mexeu com os brio de Beijing.
Desde então, aumentou consideravelmente a expectativa global por uma invasão chinesa. Para alguns especialistas, caso do secretário de Defesa dos EUA Lloyd Austin, o ataque “não é iminente“. Entretanto, o secretário de Estado Antony Blinken afirmou em outubro “que Beijing está determinada a buscar a reunificação em um cronograma muito mais rápido”.
As declarações do chefe da diplomacia norte-americana vão ao encontro do que disse o presidente chinês Xi Jinping no recente 20º Congresso do PCC. “Continuaremos a lutar pela reunificação pacífica”, disse ele ao assegurar seu terceiro mandato à frente do país. “Mas nunca prometeremos renunciar ao uso da força. E nos reservamos a opção de tomar todas as medidas necessárias”.