Em dezembro de 2022, o Japão anunciou um investimento de US$ 320 bilhões em suas Forças Armadas para os cinco anos seguintes, maior gasto do país com defesa desde a Segunda Guerra Mundial. Nesta semana, os legisladores locais aprovaram a venda de jatos militares de última geração a nações estrangeiras, o que até então era vetado por lei. Nos últimos anos, Tóquio vem se distanciando cada vez mais de seus princípios pacifistas, movimentação que expõe não só sua preocupação crescente com a segurança regional, mas também ilustra a corrida armamentista global atual.
A China é vista pelo Japão como uma ameaça à estabilidade da região do Indo-Pacífico, e os dois países travam uma disputa territorial que envolve as ilhas Senkaku, no Mar da China Oriental. Embora esteja sob controle do Japão, o arquipélago é reivindicado por Beijing, e barcos chineses são constantemente vistos na região, uma forma de pressionar os japoneses.
Para enfrentar o crescimento militar do vizinho, cujo Exército de Libertação Popular (ELP) tem um plano ambicioso de modernização, Tóquio não apenas entrega de mais dinheiro às Forças Armadas. Também investe em parcerias de defesa, aprofundando alianças com nações vizinhas, caso das Filipinas, e com as potências ocidentais.
A autorização para venda dos caças, por exemplo, se insere nesse contexto. De acordo com a agência Associated Press (AP), o Japão acordou com Itália e Reino Unido o desenvolvimento de um novo avião de guerra, cuja exportação deve começar em 2035. Por ora, não há planos de vender outras armas de uso letal, mas isso pode mudar com novas alterações futuras na legislação.
Uma ação nesse sentido já havia sido adotada em dezembro, quando o Legislativo do país autorizou a produção e entrega aos EUA de mísseis Patriot, cujo projeto é originalmente norte-americano. Assim, Tóquio apoiou o aliado a preencher seus estoques, reduzidos devido ao fornecimento de armas à Ucrânia no contexto da guerra contra a Rússia.
Além de enviar um recado a Beijing, a mudança de postura dos japoneses incentiva a indústria de defesa do país, que tradicionalmente é voltada somente a atender as demandas internas. O objetivo, daqui em diante, é se abrir para o mercado externo, conquistar novos clientes e se expandir.
No caso dos jatos, os destinos seriam todos os países com os quais o Japão tem parceria de defesa, que vão desde a Alemanha, um dos mais fortes rivais da Rússia, até a Índia, que trava uma disputa igualmente tensa com a China na Ásia. Em um primeiro momento, quem não entra na relação de beneficiários, a fim de não enfurecer ainda mais os vizinhos chineses, é Taiwan.
Mas essa não é a única movimentação distanciando cada vez mais o Tóquio de seu pacifismo tradicional, previsto na Constituição. Também em dezembro do ano passado, o país havia anunciado um aumento de 16% no orçamento de defesa para 2024, movimento que acompanha a ampliação dos gastos militares globais.
O orçamento de defesa japonês para este ano é de US$ 56 bilhões e começou a contar neste mês de março. Pode parecer pouco, se comparado aos mais de US$ 230 bilhões oficialmente gastos pela China em 2023. Mas mantém o Japão confortavelmente entre os que mais gastam no mundo, rivalizando, por exemplo, com Alemanha e França. E o aumento de 16% é mais que o dobro do incremento anunciado por Beijing para este ano, de 7,2%.
De acordo com o primeiro-ministro Fumio Kishida, o país não abrirá mão de seus princípios, mas precisa acompanhar a tendência global. “Ao tomarmos medidas, esperamos contribuir para defender uma ordem internacional livre e aberta baseada no Estado de Direito para alcançar a paz e a estabilidade na região do Indo-Pacífico”, disse ele no final de 2023, de acordo com a AP. “Não há mudança no nosso princípio como nação pacifista.”