China aposta em unidade futurista e secreta para modernizar as Forças Armadas

Exército de Libertação Popular investe em guerra espacial e cibernética para assegurar uma importante vantagem contra os EUA

Modernizar o Exército de Libertação Popular (ELP) é uma das principais metas de governo do presidente da China, Xi Jinping, desde que chegou ao poder em 2013. Parte desse processo se concentra na Força de Apoio Estratégico (FAE), uma unidade envolta em mistério e concentrada em atuar dentro de dois setores cada vez mais militarizados: o espacial e o cibernético.

Em meio à atual corrida armamentista global, que contrapõe os EUA, líder do lado ocidental, à aliança encabeçada por China e Rússia, o espaço sideral tornou-se palco de intensa competição. De acordo o jornal South China Morning Post (SCMP), Xi entende que uma vitória na competição militar com seus rivais está diretamente ligada às “capacidades estratégicas em áreas emergentes”.

Um ramo da FAE é dedicado especialmente à guerra espacial, que está em evidência. Gerencia sobretudo satélites de comunicação e espionagem, que atam com reconhecimento espacial e contribuem assim para melhorar a logística militar e as estratégias a serem implementadas pelo comando da ELP em caso de conflito.

Soldados do Exército de Libertação Popular da China durante uma parada militar (Foto: WikiCommons)
Guerra nas estrelas

Cada vez mais, entretanto, os governos investem também em armas aeroespaciais. No mês passado, Washington revelou que a Rússia desenvolveu uma tecnologia aeroespacial com capacidade nuclear que pode ter fins militares e foi classificada como “preocupante” pelos norte-americanos.

No caso de Beijing, a principal vantagem no momento parece ser mesmo sua frota de satélites, que só fica atrás da dos EUA. São mais de 290 sistemas usados para inteligência, vigilância e reconhecimento, capazes de rastrear as forças inimigas e assim viabilizar um ataque. Concentram-se atualmente na região do Indo-Pacífico, palco de uma intensa disputa por influência entre chineses e norte-americanos.

E Beijing parece já saber como melhor implantar a avançada tecnologia em caso de guerra. Em janeiro, um laboratório ligado ao ELP realizou uma simulação na qual a infraestrutura aeroespacial foi usada para viabilizar um ataque de mísseis hipersônicos contra um porta-aviões norte-americano. No teste, as forças chinesas foram capazes de suprimir os sinais dos radares dos navios de escolta, viabilizando o ataque.

Na simulação, satélites de baixa órbita foram posicionados acima do porta-aviões, cujo alcance de ataque é de até mil quilômetros, considerando os jatos que a embarcação transporta. Já os mísseis hipersônicos foram disparados de uma distância de 1,2 mil quilômetros, e os radares só os detectaram a cerca de 50 quilômetros do alvo, tarde demais para serem contidos.

“Com a evolução do conceito de guerra e o avanço da tecnologia, o espaço tornou-se um novo patamar de comando ferozmente disputado pelas potências militares mundiais”, afirmou na oportunidade o cientista Liu Shichang, do Laboratório de Ciência e Tecnologia em Controle de Informações Eletrônicas, que atua no desenvolvimento de equipamentos de guerra eletrônica para o ELP.

Soldados virtuais

A segunda ramificação da Força de Apoio Estratégico é voltada à guerra cibernética, atualmente uma especialidade da China. E ela não se restringe aos hackers, cada vez mais eficientes na extração de informações sensíveis de sistemas externos. O país aposta alto principalmente em inteligência artificial.

Tal investimento já havia sido destacado em 2021 por um relatório do think tank norte-americano NSRD (Divisão de Pesquisa em Segurança Nacional, na sigla em inglês). O estudo apontou que o uso de big data e inteligência artificial são elementos centrais no projeto do ELP para atingir a meta de Xi Jinping, que pretende concluir a primeira etapa de modernização militar até 2035.

O uso de big data e inteligência artificial seria o primeiro passo, a fim de controlar a guerra pelo domínio da informação. Conforme o relatório, ainda não seria possível usar tais tecnologias para substituir comandantes militares humanos. As máquinas poderiam, sim, atuar como “oficiais digitais”, cabendo a elas reunir e apresentar dados, identificar a intenção do inimigo e monitorar operações.

Resposta ocidental

Parte da estratégia de Beijing para garantir vantagem sobre seus rivais nessas áreas depende da implantação de tecnologia civil nas Forças Armadas. Hoje, o principal empecilho ao desenvolvimento do ELP nesse sentido está atrelado às sanções norte-americanas, que passaram a restringir o acesso da China a itens de dupla utilização, aqueles com funções também militares.

Uma medida adotada em janeiro deste ano expõe a preocupação norte-americana. Na ocasião, o Departamento de Defesa adicionou novos nomes à relação de empresas civis acusadas de servir aos interesses do ELP. Entre elas a Huawei, que enfrenta escrutínio ocidental devido à suspeita de que atua sob as ordens do Partido Comunista Chinês (PCC).

Na relação há empresas de setores diversos, como inteligência artificial, geolocalização, armazenamento em nuvem, geração de energia, telefonia e aviação civil. A listagem não estabelece sanções, mas gera desconfiança em torno das empresas chineses e as distancia especialmente do mercado norte-americano, apreensivo quanto aos riscos de colaborar, mesmo que involuntariamente, para o avanço do ELP.

E são cada vez mais nações ocidentais unidas a Washington com o objetivo de dificultar o acesso chinês a tecnologia avançada. Nos últimos meses, o governo da Holanda impôs restrições no fornecimento à China, por parte da empresa holandesa ASML, de equipamentos para produção de chips, que poderiam ser usados militarmente.

“A China concentra-se em conhecimentos estrangeiros, incluindo conhecimentos holandeses no campo da litografia, para promover a autossuficiência no seu desenvolvimento técnico-militar”, disse na oportunidade o ministro do Comércio da Holanda, Geoffrey van Leeuwen, segundo relatou a agência Reuters.

Tais vetos constituem a mais eficiente barreira ao desenvolvimento do ELP, embora não consigam bloquear totalmente o avanço. Ni Lexiong, um analista militar baseado em Xangai, disse ao SCMP que as sanções “definitivamente tiveram impacto nas armas e no equipamento” das Forças Armadas da China. Os EUA, diz ele, “sabem exatamente onde está o seu ponto fraco.”

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