Crescimento da indústria de veículos elétricos da China tem desdobramento militar, indica estudo

Beijing investe em cargueiros especializados no transporte de automóveis que também preenchem uma lacuna das forças armadas

Nos primeiros oito meses deste ano, as exportações chinesas de veículos elétricos atingiram US$ 45,7 bilhões, quase seis vezes o total registrado em todo o ano de 2019. A China claramente se tornou uma potência global no setor, e isso pode ter implicações favoráveis também para seu Exército de Libertação Popular (ELP). É o que mostra um estudo realizado pelo projeto Poder da China do think tank Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês), de Washington.

No cerne da questão estão os supercargueiros ro-ro (do termo em inglês roll on-roll off, rolar para dentro e para fora). São embarcações especializadas no transporte de veículos, balsas enormes que permitem a entrada e saída de veículos por seus próprios meios, diferente dos cargueiros tradicionais que mantêm os contêineres no convés e precisam de guindastes para o embarque e desembarque.

Em julho deste ano, o People’s Daily, jornal dirigido pelo Partido Comunista Chinês (PCC), destacou a análise de um especialistas alertando para a escassez de ro-ros na China conforme crescem as exportações de veículos elétricos. “Existem mais de 700 navios ro-ro em todo o mundo, sendo que menos de cem são operados pelos principais prestadores de serviços de transporte marítimo na China”, disse ele.

Beijing, então, passou a investir pesado na produção desse tipo de embarcação, tarefa consideravelmente menos complicada porque o país foi responsável por cerca de 47% de toda a produção global de navios comerciais em 2022. Apenas Coreia do Sul, com 29%, e Japão, com 17%, se aproximam desses números.

Navio ro-ro norte-americano e a rampa para embarcar e desembarcar veículos (Foto: nara.getarchive.net)

A projeção é de que empresas chinesas entreguem 200 novos ro-ros entre 2023 e 2026, o dobro das entregas feitas entre 2015 e 2022. É bem verdade que algumas dessas embarcações, com capacidade para até sete mil veículos cada, vão para o exterior. Mas outros tantos permanecerão na China. Inclusive, há montadoras de veículos elétricos que encomendaram suas próprias unidades dos cargueiros, em vez de simplesmente utilizarem serviços terceirizados.

Entretanto, os ro-ros não têm como único objetivo fortalecer a indústria automobilística local. O ELP percebeu que eles podem ter funções militares. Com a enorme capacidade de transporte de veículos, podem ajudar a solucionar um dos grandes problemas das forças armadas do país, que é justamente a logística do deslocamento de tropas e equipamentos.

O relatório do CSIS cita um caso óbvio em que os enormes cargueiros seriam cruciais. “O ELP precisaria mobilizar equipamento adicional para conduzir uma campanha conjunta de desembarque insular em grande escala contra Taiwan“, diz o texto.

Em dezembro do ano passado, relatório do Pentágono, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, alertou que uma invasão anfíbia em larga escala a Taiwan seria problemática porque sobrecarregaria as forças armadas da China, tamanho o desafio de transportar tropas e equipamentos. “Os ro-ros civis podem ajudar a preencher essa lacuna”, diz o estudo do CSIS.

Beijing não se esforça para esconder sua estratégia, e as embarcações já foram avistadas em exercícios militares chineses. Alguns ro-ros inclusive tiveram suas rampas modificadas para facilitar o embarque e desembarque de veículos militares de grande porte que possivelmente não caberiam nos modelos tradicionais.

Até juridicamente o país se movimentou, colocando e vigor em 2016 a Lei de Transporte de Defesa Nacional, segundo a qual empresas chinesas de transporte marítimo devem “fornecer assistência no descanso do pessoal e no reabastecimento para navios, aeronaves e automóveis que participem de resgates internacionais, escoltas marítimas e operações militares na defesa dos interesses nacionais.”

Por que isso importa?

A China ostenta o segundo maior orçamento de defesa do mundo, atrás somente dos EUA. Com o dinheiro investido nas forças armadas nos últimos anos, Beijing tem hoje a maior marinha do mundo, à frente da norte-americana, o maior exército permanente do mundo e um arsenal balístico e nuclear capaz de rivalizar com qualquer outro. 

A marinha chinesa tem dois porta-aviões ativos e 360 navios, no que supera inclusive os EUA, estes com 300 embarcações militares. Já o exército permanente chinês tem cerca de dois milhões de soldados, maior que o de qualquer outra nação. A Índia é a segunda maior força do tipo no mundo, com cerca de 1,4 milhão de tropas, contra 1,35 milhão dos EUA, de acordo com o site World Atlas.

arsenal nuclear da China também tem aumentado num ritmo muito maior que o imaginado anteriormente, levando a nação asiática a reduzir a desvantagem em relação aos Estados Unidos nessa área. Relatório recente do Pentágono sugere que Beijing pode atingir a marca de 700 ogivas nucleares ativas até 2027, tendo a meta de mil ogivas até 2030.

O investimento chinês levou a uma corrida armamentista na região da Ásia-Pacífico, onde os gastos com Defesa ultrapassaram US$ 1 trilhão somente em 2021, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres. Beijing puxa esses números para cima, tendo aumentado seu orçamento militar por 27 anos consecutivos, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo.

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