Indonésia é denunciada por vender ilegalmente armas à junta militar de Mianmar

Acusado de abusos dos direitos humanos, regime teria recebido rifles de assalto, revólveres, munições e veículos de combate

Três empresas estatais de armas da Indonésia enfrentam acusações de venda ilegal de armamentos ao exército de Mianmar. A situação foi levada à Comissão Nacional de Direitos Humanos na segunda-feira (2) por Marzuki Darusman, ex-procurador-geral da ilha do sudeste asiático, e por ativistas indonésios. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

As empresas PT Pindad, PT PAL e PT Dirgantara Indonesia foram acusadas de fornecer armas e equipamentos militares aos birmaneses ao longo da última década, mesmo após o golpe de Estado em fevereiro de 2021. As alegações de comércio irregular incluem a venda de rifles de assalto, revólveres, munições e veículos de combate, além de outros itens.

Marzuki expressou séria preocupação com o fato de que esse equipamento de defesa tenha sido usado na campanha genocida contra a minoria étnica muçulmana rohingya e na execução do golpe militar há dois anos. Em um comunicado, ele levantou dúvidas sobre o compromisso do governo indonésio em cumprir suas responsabilidades de acordo com os direitos humanos.

Desfile militar das forças birmanesas em Naipidau, março de 2021 (Foto: WikiCommons)

As acusações de Marzuki vêm em um momento em que o governo da Indonésia lidera a Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático). O presidente Joko Widodo criticou fortemente a junta militar de Mianmar pela violência após o golpe, ao mesmo tempo em que o bloco regional enfrenta críticas por não conseguir conter a situação no país devastado pela guerra civil.

Em agosto de 2019, quando liderava uma missão de investigação da ONU (Organização das Nações Unidas) em Mianmar, Marzuki e sua equipe pediram um embargo na venda de armas para Naipidau. À época, eles descobriram que mais de uma dúzia de empresas estrangeiras, incluindo empresas estatais chinesas, forneciam armas e equipamentos usados pelos militares birmaneses contra minorias étnicas.

Filho de autoridade é dono de empresa

A denúncia feita pelos reclamantes se baseia em evidências de fontes públicas e relatos da mídia que sugerem que as empresas indonésias enviaram armas e munições por meio da True North Co. Ltd., uma firma em Mianmar de propriedade do filho de um ministro nomeado pela junta militar.

A True North atua como intermediária entre os militares birmaneses e as empresas estatais de armas da Indonésia, o que levanta suspeitas de possível corrupção. O grupo afirmou que as autoridades indonésias “devem investigar essa questão”.

O proprietário da empresa, Htoo Htoo Shein Oo, é filho do ministro das finanças da junta militar de Mianmar, Win Shein, que está sujeito a sanções dos Estados Unidos, Canadá e União Europeia (UE), conforme a denúncia.

A queixa solicita que a comissão avalie, investigue e apure o suposto envolvimento das empresas indonésias e, se houver evidências substanciais de graves violações dos direitos humanos, encaminhe o caso ao tribunal de direitos humanos do país.

Em maio, um relatório apresentado na ONU sugeriu que a junta militar de Mianmar teria importado “pelo menos US$ 1 bilhão em armas e materiais relacionados de países como RússiaChina, Singapura, Tailândia e outros, desde o golpe de fevereiro de 2021.”

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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