Disputa por influência e poder militar explica tensão entre China e EUA no Pacífico Sul

Acordos que Beijing negocia com as nações da região são estratégicos, mesmo que o tema central não seja a segurança

Nos últimos meses, as nações insulares do Pacífico Sul, pouco povoadas e com escassos recursos naturais lucrativos, tornaram-se peça central na disputa geopolítica entre EUA e China. Se a questão financeira não explica o repentino interesse de Beijing na região e a consequente preocupação norte-americana, ele pode ser melhor entendido sob o ponto de vista da disputa por influência e poder militar entre as duas superpotências. É o que afirmam analistas ouvidos pela rede CNN.

“As ilhas ficam em uma passagem importante para navios e navios mercantes dos EUA e da Austrália”, disse Timothy Heath, pesquisador sênior de defesa internacional do think tank norte-americano RAND Corporation. “Se a China pudesse estabelecer direitos de bases [militares], poderia enviar navios de guerra e aeronaves temporariamente para as ilhas. [Seus] navios e aviões poderiam ameaçar navios e aeronaves americanos e australianos que passassem”.

Primeiro-ministro de Vanuatu, Bob Loughman (3º à direita), e membros de seus gabinete se reúnem com o ministro das Relações Exteriores chinês Wang Yi (4º à esquerda) (Foto: reprodução/Xinhua)

A estratégia chinesa não foi bem digerida por seus principais rivais regionais. O sinal de alerta para EUA, Austrália e Nova Zelândia foi ativado quando vazou a informação de que o governo chinês estava prestes a firmar um pacto de segurança com as Ilhas Salomão. Assinado em abril, o acordo foi contestado pelo Ocidente devido à falta de transparência e à possibilidade de conceder a Beijing o direito de construir no território salomônico uma base militar.

O presidente Xi Jinping deu outro passo importante em busca de influência na região ao propor um pacto mais abrangente com dez nações insulares do Pacífico Sul. Fazem parte das negociações Fiji, Niue, Samoa, Tonga, Kiribati, Papua Nova Guiné, Vanuatu, Ilhas Salomão, Timor Leste e Micronésia. Ao menos este último se opôs à proposta, impedindo o acordo em um primeiro momento.

Embora tenha confirmado o desacerto que impediu a assinatura, o ministro das Relações Exteriores chinês Wang Yi disse que novos debates serão travados na tentativa de aparar as arestas. Ele citou cinco áreas de cooperação, entre elas a recuperação econômica pós-pandemia, a criação de novos centros de agricultura e o combate a desastres naturais. Mas não fez qualquer menção à segurança.

Segundo Heath, a postura chinesa é compreensível, vez que um acordo militar não é necessário para dar vantagem a Beijing. Ele explica que um acordo semelhante ao que vem sendo debatido seria bom o bastante, pois daria ao governo da China a oportunidade de “coletar informações confidenciais sobre as operações militares dos EUA e da Austrália”.

Ação e reação

Liu Ming, pesquisador sênior da Academia de Ciências Sociais de Xangai, avalia que tais movimentos de Beijing são uma resposta à forte presença de Washington na área, inclusive com bases militares em Guam e no Japão. “O princípio [americano] de contenção é isolar politicamente a China em toda a região, expandindo uma rede de aliados e parceiros, de modo a atrair mais países do Indo-Pacífico para o campo dos EUA”, disse ele em artigo publicado em 2021.

Já Denghua Zhang, pesquisador da Universidade Nacional da Austrália, em Canberra, afirma que as ações chinesas não deveriam surpreender seus rivais. “À medida que a China cresce, não é de admirar que o interesse chinês pela segurança na região também cresça”, afirmou.

Do ponto de vista das nações do Pacífico Sul, num primeiro momento, a grande vantagem da disputa EUA-China é ganhar mais atenção das duas superpotências. Com o tempo, porém, o aumento da tensão pode interferir no conceito “Blue Pacific” (Pacífico Azul, em tradução literal), através do qual a tomada de decisões na área requer uma consulta a todos os países interessados.

“Nossa posição era que você não pode ter um acordo regional quando a região não se reuniu para discuti-lo”, disse a primeira-ministra de Samoa, Fiame Naomi Mata’afa, na semana passada.

E o interesse de algumas nações em negociar com a China, mediante a reticência de outras, pode causar uma ruptura entre os vizinhos. “Estou preocupado que a competição geopolítica afete o forte vínculo regional”, avalia Tarcisius Kabutaulaka, professor associado de Estudos das Ilhas do Pacífico na Universidade do Havaí.

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