Em Mianmar, China tenta acelerar projeto que ameaça a subsistência da população

Moradores que dependem do mar para subsistência e serão afetados pela obra bilionária alegam que perderão acesso à água

A junta militar que governa Mianmar vem sofrendo forte pressão da China para que seja acelerada a construção do porto de Kyaukphyu, no Estado de Rakhine. O projeto, um dos muitos financiados por Beijing no país do Sudeste Asiático, é contestado pela população local, sob o argumento de que comprometerá a subsistência sobretudo dos pescadores. As informações são da rede Radio Free Asia.

O projeto consiste na construção de um porto de águas profundas, orçado em US$ 7,3 bilhões, e de uma zona econômica especial de US$ 1,3 bilhão. No total, abrangerá 370 acres de terra na Ilha Maday e outros 237 acres na Ilha Ramree. E a lentidão das obras tem incomodado os investidores chineses, que pedem mais pressa do governo birmanês.

As obras fazem parte do Corredor Econômico China-Myanmar, que terá 1,7 mil quilômetros e conectará a cidade de Kunming, na China, aos centros econômicos de Muse, Mandalay, Yangon e Kyaukphyu, em Mianmar.

O grupo de pesquisa independente ISP-Myanmar afirma que há 35 projetos chineses em andamento em Mianmar, incluindo ferrovias, rodovias, zonas econômicas especiais, portos e novos projetos de cidades. Entretanto, no caso específico de Maday e Ramree, a população afetada alega que o impacto será severo sobre seus meios de subsistência, principalmente a pesca.

Segundo o analista político Than Soe Naing, nem mesmo a destruição causada pelo o ciclone Mocha, que atingiu Rakhine e matou mais de 400 pessoas, amenizou a pressão chinesa sobre a junta militar. “Apesar da devastação, a China está se concentrando apenas na implementação bem-sucedida do projeto do porto marítimo profundo de Kyaukphyu, arriscando os meios de subsistência do povo de Mianmar por seus próprios interesses.”

Pescador de Mianmar: porto chinês comprometerá a subsistência da população afetada (Foto: pxfuel.com)

“Se os projetos continuarem, os moradores da Ilha Maday nem mesmo conseguirão acessar o rio por causa dos portos de águas profundas”, disse um morador da vila de Kyauktan, que por motivo de segurança falou sob condição de anonimato. “As pessoas que dependem do mar para sua subsistência, como nós, enfrentarão muitos problemas.”

A junta militar argumenta que o porto e a zona econômica especial trarão mais oportunidades, mas isso não convence os moradores. Segundo eles, a obra servirá apenas para enriquecer os chineses e a junta birmanesa, criando assim mais uma fonte de renda para que os militares se mantenham no poder.

“Houve discussões entre os residentes e o presidente Myint Thein da zona econômica especial de Kyaukphyu”, disse Tun Kyi, porta-voz da Associação de Desenvolvimento do Distrito da Ilha Maday. “Perguntei como iriam implementar o desenvolvimento regional, como iriam criar oportunidades de emprego para a nossa região e como os moradores locais se enquadrariam nos seus projetos. Mas ninguém deu respostas concretas às minhas perguntas.”

Atualmente, a pesca é a principal fonte de renda de 70% da população de Maday, que é atualmente de três mil pessoas. O número de afetados, porém, é bem maior. Por exemplo, a previsão é de 20 mil pessoas sejam deslocadas para a construção da zona econômica especial. E o governo não deixo claro qual será a compensação oferecida pelas terras das pessoas afetadas.

Apoio de longa data

Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Aung San Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, através da agência de notícias estatal Xinhua.

O governo chinês também se coloca frequentemente ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. Essa posição ficou evidente mais uma vez em dezembro de 2022, quando a China se absteve de votar em uma resolução histórica do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro com 12 votos a favor. Ela exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

A China é ainda um dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia, o Paquistão e a Sérvia.

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