Google acata ordem judicial de Hong Kong e bloqueia música pró-democracia

Vídeos do YouTube que exibem a canção Glory To Hong Kong não aparecem mais nas buscas dentro do território chinês

Após uma decisão judicial determinar que a música Glory To Hong Kong seja banida do território chinês, o Google optou por bloquear em Hong Kong todos os vídeos do YouTube que contenham a canção, tida como o hino dos protestos por democracia que explodiram por lá em 2019. As informações são do jornal The New York Times.

“Estamos decepcionados com a decisão do tribunal, mas estamos cumprindo a ordem de remoção ao bloquear o acesso aos vídeos listados para espectadores em Hong Kong”, disse um representante da gigante da tecnologia.

A decisão destoa de outras recentemente adotadas pela empresa, que vinha resistindo à pressão para suprimir a canção pró-democracia. Em maio de 2023, por exemplo, a bigtech se recusou a apagar uma conta no Google Drive que, segundo o governo de Hong Kong, “parecia encorajar os participantes a enviar vídeos deles mesmos cantando” a música.

Agora, diante da decisão de um tribunal de apelações local, optou por bloquear o acesso, no que ativistas enxergam um ataque à liberdade de expressão com a conivência da companhia norte-americana.

Artistas e manifestantes cantam “Glory to Hong Kong” durante um protesto em um shopping de Hong Kong em setembro de 2019 (Foto: Studio Incendo/WikiCommons)

Um pedido de liminar para que a canção fosse banida foi feito pelo governo de Hong Kong à Justiça local em junho de 2023, mas foi recusado sob o argumento de que comprometeria a liberdade de expressão. Então, o governo recorreu ao tribunal de apelações e obteve a vitória na semana passada.

Os três juízes que tomaram a decisão referente ao recurso afirmaram que a música é uma “arma” contra a segurança nacional e que a proibição legal é “necessária para persuadir” as grandes empresas de tecnologia a “remover” os arquivos que divulguem Glory To Hong Kong.

Diz a decisão que a canção “tem o efeito de justificar e até romantizar e glorificar os atos ilegais e violentos infligidos a Hong Kong nos últimos anos, despertando e reacendendo fortes emoções e o desejo de confrontos violentos.”

Google sempre foi um alvo prioritário porque inclusive exibe a canção de protesto nas buscas pelo hino do território. Segundo o governo e Beijing, que controla Hong Kong, o correto seria apresentar A Marcha dos Voluntários, o hino chinês. A música pró-democracia também foi executada em mais de uma ocasião em torneios esportivos internacionais como sendo o hino oficial.

Segundo George Chen, copresidente de prática digital do da consultoria Asia Group, dos EUA, diz que a decisão pode servir de diretriz para outras empresas de tecnologia, igualmente sob pressão do governo de Hong Kong para bloquear conteúdo que faça referência à musica.

“Depois do Google, o governo agora começará a se concentrar em outras plataformas como as da Meta, com a música de protesto também podendo ser encontrada no Facebook e no Instagram”, disse ele. “Acredito que outras plataformas podem agora considerar a decisão do YouTube de bloquear geograficamente como uma boa referência.”

Em entrevista à agência Reuters, Chen afirmou que a medida “não é uma situação desejável do ponto de vista da internet livre e da liberdade de expressão”. E analisou que as concessões feitas pelas bigtechs podem se tornar problemáticas no futuro.

“Agora, a questão é até onde e quão agressivo o governo quer ir”, afirmou. “Se você começar a enviar às plataformas cem ou mil links para remoção todos os dias, isso deixará as plataformas loucas e também deixará os investidores globais mais preocupados com o ambiente de mercado livre de Hong Kong, e Hong Kong está agora numa encruzilhada para defender a sua reputação.”

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa de 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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