Hong Kong contesta Google por exibir canção de protesto nas buscas pelo hino nacional

Música que se popularizou durante os protestos pró-democracia de 2019 surge ao lado do hino da China no topo dos resultados

O governo de Hong Kong iniciou uma queda de braços com o Google para que a empresa de tecnologia altere seus resultados de buscas. Quem procura pelo hino nacional do território, que é oficialmente parte da China, vê entre os primeiros resultados uma canção popularizada nos protestos pró-democracia de 2019. As informações são do site independente Hong Kong Free Press.

Os controversos resultados nas buscas do Google têm sido usados por Hong Kong para justificar uma série de gafes cometidas em grandes eventos, sobretudo esportivos. Quando atletas honcongueses sobem ao pódio, mais de uma vez foi executada a música pró-democracia Glory To Hong Kong (Glória a Hong Kong, em tradução literal) em vez do hino nacional chinês, “A Marcha dos Voluntários”.

Protestos pró-democracia em Sheung Wan, julho de 2019 (Foto: CreativeCommons/Studio Incendo)

Um desses episódios ocorreu em novembro em um torneio de rúgbi de sete na Coreia do Sul. Antes de as equipes masculinas se enfrentarem na final do Asian Rugby Seven Series, em Incheon, os organizadores executaram Glory To Hong Kong, que foi composta por um artista local e fala em democracia e liberdade. O mesmo ocorreu no campeonato asiático de levantamento de peso, em Dubai, no início de dezembro.

Desde então, o território semiautônomo passou a contestar o Google, exigindo mudanças no sistema do site. Segundo Chris Tang, chefe de segurança do território, a presença da canção no topo da página de resultados “fere os sentimentos do povo de Hong Kong”.

Tang solicitou ao Google que excluísse a música dos resultados, pedido que, ao menos em um primeiro momento, foi rejeitado pela companhia.

Até segunda-feira (12), a canção, que se tornou um hino entre os manifestantes nos imensos protestos antigovernamentais de 2019, surgia no primeiro resultado das buscas. Nesta terça (13), uma mudança discreta foi observada, vez que a página, embora ainda exiba a canção no topo, agora a coloca abaixo do hino chinês. Não está claro se a mudança ocorreu para atender à demanda do governo.

Página do Google exibe canção pró-democracia nas buscas pelo hino de Hong Kong (Foto: reprodução)
Multa e prisão

Glory To Hong Kong não é oficialmente proibida no território semiautônomo. Porém, em 2020 o governo proibiu o slogan de protesto Liberate Hong Kong, revolution of our times (Liberte Hong Kong, revolução dos nossos tempos, em tradução literal). Como parte dele está na letra da canção, as autoridades têm usado essa brecha legal para punir quem toca a música.

Também existe uma lei que criminaliza casos de insulto à “Marcha dos Voluntários”, com multas de até 50 mil dólares de Hong Kong (R$ 34 mil) e penas de até três anos de prisão aos infratores.

Em novembro deste ano, a Justiça do território anunciou uma sentença de três meses de prisão para a jornalista Paula Leung por infração à lei. Ela exibiu uma bandeira da era colonial durante a execução do hino da China em meio a uma cerimônia de entrega de medalhas dos Jogos Olímpicos Tóquio 2020.

O incidente ocorreu em julho de 2021, em um shopping de Hong Kong que exibia a participação do esgrimista Edgar Cheung Ka Long, medalhista de ouro. Durante a cerimônia de premiação, foi tocado o hino da China continental.

Muitas vaias foram ouvidas durante a execução da “Marcha dos Violuntários”, e Paula exibiu uma bandeira da era colonial para celebrar a conquista. Ela foi detida pelas autoridades por desrespeitar o hino e somente em 2022 ocorreu o julgamento. Trata-se da primeira sentença condenatória por tal crime.

Por que isso importa?

Após se transferir do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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