Hong Kong oferece recompensa por dissidentes e deixa claro que não respeita as liberdades nem no exterior

Governo emite mandados de prisão contra dissidentes que deixaram o território numa tentativa de fugir da perseguição

Não há lugar seguro no mundo para um dissidente de Hong Kong. Mesmo aqueles que conseguiram deixar o território chinês em busca de segurança e liberdade no exterior não estão totalmente livres da repressão. Isso vai ficando cada vez mais claro conforme o governo honconguês amplia sua lista de dissidentes procurados pela Justiça no exterior, inclusive oferecendo uma recompensa em dinheiro por informações que eventualmente levem à captura deles.

No final da semana passada foram emitidos mandados de prisão internacionais contra mais cinco dissidentes, ampliando uma lista que desde junho deste ano tinha outros oito nomes. Desta vez, também foi ofertada uma inédita recompensa de um milhão de dólares de Hong Kong (R$ 633 mil) por informações que ajudem a capturar os procurados.

“Os fugitivos não deveriam ter a ilusão de que poderiam escapar de responsabilidades legais fugindo de Hong Kong”, disse um porta-voz do governo na sexta-feira (15), de acordo com a rede Radio Free Asia (RFA). “Os fugitivos serão perseguidos pelo resto da vida, a menos que se entreguem. Perseguiremos esses fugitivos até o fim e usaremos todas as medidas possíveis para levá-los à Justiça.”

Agentes da polícia de Hong Kong em ação, julho de 2023 (Foto: facebook.com/HongKongPoliceForce)

Os cinco indivíduos cujos nomes foram adicionados mais recentemente à lista de procurados são Simon Cheng, um ex-funcionário consular britânico que hoje comanda um grupo de apoio a honcongueses no Reino Unido; Frances Hui, que também lidera uma organização de apoio nos EUA; Joey Siu, ativista e cidadã norte-americana; Johnny Fok e Tony Choi, que mantêm um canal no YouTube acusado pelo governo de incitar a secessão e a subversão. 

Em sua conta na rede social X, antigo Twitter, Siu manifestou indignação com o fato de que mesmo após deixar o território honconguês não tem a liberdade de dizer o que pensa e de lutar pelas causas que considera justas.

“Nesta manhã, eu, uma cidadã americana, acordei com a notícia de que um mandado de prisão e uma recompensa de um milhão de dólares de Hong Kong foram colocados pela minha cabeça pelo governo de Hong Kong por exercer as minhas liberdades no meu próprio país. Mais a dizer mais tarde, mas por enquanto: nunca serei silenciada, nunca recuarei”, disse ela.

Cheng, por sua vez, reproduziu no X um comunicado em nome dos honcongueses no Reino Unido. “As acusações criminais politicamente motivadas do Partido Comunista Chinês (PCC) e das forças de segurança de Hong Kong perderam credibilidade internacionalmente”, diz o texto, que ainda critica a tentativa de “interferir e estigmatizar as atividades legais da diáspora.”

Todos são procurados por crimes inseridos na lei de segurança nacional, que na visão de Hong Kong tem alcance transnacional. As acusações incluem “incitação à secessão”, “incitação à subversão”, “incitação à subversão” e “conluio com um país estrangeiro ou com elementos externos para pôr em perigo a segurança nacional”.

De acordo com o jornal South China Morning Post, a recompensa milionária é algo sem precedentes na história de perseguição a dissidentes no exterior e já levou a 500 denúncias referentes aos oito procurados. Embora detalhes não tenham sido divulgados, o governo classificou algumas informações recebidas como valiosas.

A operação de caça aos dissidentes também se desdobra internamente, com quatro pessoas presas em Hong Kong sob a acusação de integrar uma rede que usaria campanhas de financiamento coletivo para financiar os dissidentes.

A ação de Hong Kong gerou reação nos EUA, com dois parlamentares divulgando um comunicado conjunto no qual destacam o fato de que quatro dos procurados vivem em território norte-americana, sendo que Siu é cidadã do país.

“O esforço das autoridades de Hong Kong controladas pelo PCC através de intimidação e assédio para perseguir cidadãos e residentes dos EUA envolvidos em ativismo político pacífico nos Estados Unidos é inaceitável”, diz o texto assinado por Mike Gallagher e Raja Krishnamoorthi.

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa de 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente chinês Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada.”

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