Investigação de ONG revela sistema de detenções sem prévio julgamento na China

Casos começam em 2013, quando a lei deu à polícia o poder de deter qualquer um indivíduo em estabelecimento secreto por até seis meses

Uma investigação da ONG Safeguard Defenders aponta que a China criou, nos últimos anos, um dos maiores sistemas mundiais de detenção de pessoas sem prévio julgamento. As denúncias constam no relatório que a entidade publicou na segunda-feira (21) intitulado Locked Up (trancado, em tradução literal).

As ocorrências começam em 2013, quando uma alteração na legislação chinesa deu à polícia o poder de deter qualquer indivíduo em um estabelecimento secreto por até seis meses. É a RSDL (vigilância residencial num local designado, da sigla em inglês), um eufemismo burocrático para designar prisão sem condenação judicial. 

O canadense Michael Spavor é uma das vítimas do sistema de detenções sem julgamento na China (Foto: Wikimedia Commons)

No primeiro ano, foram identificados 500 casos. De lá para cá, as ocorrências explodiram, com cerca de 20 casos diários em 2020. Nem sempre o detido é alvo de uma acusação criminal. Há indícios de que a RSDL seja usada também para coagir testemunhas em ações judiciais de interesse do governo.

Segundo a Safeguard Defenders, a RSDL nada mais é que um “sequestro sancionado pelo Estado”. O processo compreende detenção, interrogatório e, em muitos casos, tortura. Há relatos de privação de sono e de comida, agressão, aplicação forçada de medicamentos e abusos sexuais. 

A detenção ocorre sempre em estabelecimentos secretos ligados ao Estado, desde academias de polícia até prédios de apartamentos. Embora a lei exija que as autoridades informem aos familiares sobre a detenção, muitas vezes isso não acontece. É um procedimento ignorado até no caso da prisão de estrangeiros, cuja embaixada não é notificada. 

“Por definição, quando o desaparecimento forçado é realizado em escala ou sistematicamente, é considerado crime contra a humanidade, segundo as normas dos direitos humanos”, diz o relatório, baseado nos depoimentos de 23 pessoas, entre cidadãos chineses e estrangeiros, que foram submetidos à RSDL na China.

Retaliação

Um dos casos englobados pelo relatório é o dos empresários canadenses Michael Spavor e Michael Kovrig, detidos pela China em dezembro de 2018 sob acusação de ameaça à segurança nacional. Em março deste ano, eles foram julgados por espionagem, e o veredito ainda não foi anunciado.

O episódio é encarado como retaliação pela prisão de Meng Wanzhou, executiva chinesa da Huawei acusada pelos EUA de fraude e roubo de segredos corporativos. Ela foi detida por autoridades canadenses em Vancouver, também em dezembro de 2018, devido a um pedido de extradição de Washington.

Tags: