Uma investigação da ONG Safeguard Defenders aponta que a China criou, nos últimos anos, um dos maiores sistemas mundiais de detenção de pessoas sem prévio julgamento. As denúncias constam no relatório que a entidade publicou na segunda-feira (21) intitulado Locked Up (trancado, em tradução literal).
As ocorrências começam em 2013, quando uma alteração na legislação chinesa deu à polícia o poder de deter qualquer indivíduo em um estabelecimento secreto por até seis meses. É a RSDL (vigilância residencial num local designado, da sigla em inglês), um eufemismo burocrático para designar prisão sem condenação judicial.
No primeiro ano, foram identificados 500 casos. De lá para cá, as ocorrências explodiram, com cerca de 20 casos diários em 2020. Nem sempre o detido é alvo de uma acusação criminal. Há indícios de que a RSDL seja usada também para coagir testemunhas em ações judiciais de interesse do governo.
Segundo a Safeguard Defenders, a RSDL nada mais é que um “sequestro sancionado pelo Estado”. O processo compreende detenção, interrogatório e, em muitos casos, tortura. Há relatos de privação de sono e de comida, agressão, aplicação forçada de medicamentos e abusos sexuais.
A detenção ocorre sempre em estabelecimentos secretos ligados ao Estado, desde academias de polícia até prédios de apartamentos. Embora a lei exija que as autoridades informem aos familiares sobre a detenção, muitas vezes isso não acontece. É um procedimento ignorado até no caso da prisão de estrangeiros, cuja embaixada não é notificada.
“Por definição, quando o desaparecimento forçado é realizado em escala ou sistematicamente, é considerado crime contra a humanidade, segundo as normas dos direitos humanos”, diz o relatório, baseado nos depoimentos de 23 pessoas, entre cidadãos chineses e estrangeiros, que foram submetidos à RSDL na China.
Retaliação
Um dos casos englobados pelo relatório é o dos empresários canadenses Michael Spavor e Michael Kovrig, detidos pela China em dezembro de 2018 sob acusação de ameaça à segurança nacional. Em março deste ano, eles foram julgados por espionagem, e o veredito ainda não foi anunciado.
O episódio é encarado como retaliação pela prisão de Meng Wanzhou, executiva chinesa da Huawei acusada pelos EUA de fraude e roubo de segredos corporativos. Ela foi detida por autoridades canadenses em Vancouver, também em dezembro de 2018, devido a um pedido de extradição de Washington.