China intensifica incursões aéreas em Taiwan, e tensões escalam no Indo-Pacífico

Sob pressão de Beijing, Taiwan conta com apoio cada vez maior de seus aliados ocidentais, sobretudo os Estados Unidos

Em seus pronunciamentos na abertura da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), na última terça-feira (21), os presidentes da China, Xi Jinping, e dos Estados Unidos, Joe Biden, adotaram tom conciliador e refutaram a ideia de uma nova Guerra Fria, expressão cada vez mais usada pela opinião pública para descrever a relação entre as duas superpotências. O discurso dos líderes, porém, é incompatível com a realidade dos fatos, em uma semana de muita agitação política e militar no Indo-Pacífico.

Cada vez mais sob pressão da China, Taiwan denunciou nos últimos dias uma série de incursões de jatos da força aérea chinesa em seu espaço aéreo, segundo a agência Associated Press. Na quinta-feira (23), 26 aeronaves militares chinesas foram detectados no Estreito de Taiwan em dois momentos do dia. Entre elas estavam jatos J-16 e J-11 e bombardeiros com capacidade nuclear e antisubmarino.

Embora a presença de jatos chineses tenha se tornado habitual em Taiwan neste ano, a mais recente ação de Beijing soa como um duro recado. Isso porque ocorreu logo após a ilha se candidatar a ingressar em um grupo comercial de 11 nações do Pacífico, o Acordo Abrangente e Progressivo para Parceria Transpacífica, no qual a China também quer uma vaga. Beijing, claro, reagiu da pior maneira e disse que Taipé não tem esse direito, pois é território chinês.

Também incomodou o governo chinês o pedido do Ministério da Defesa de Taiwan de elevar o orçamento militar para US$ 17 bilhões a partir de 2022. “Esse orçamento recorde, responsável por 2,3% do produto interno bruto do país, seria um aumento de 5% em relação aos gastos de 2021”, disse o jornalista David Axe em artigo publicado na revista Forbes.

Jatos chineses invadem espaço aéreo de Taiwan, e tensões escalam no Indo-Pacífico
Jatos da força aérea chinesa em manobras de exibição, setembro de 2021: incursões militares no Estreito de Taiwan (Foto: ECNS.CN)

Segundo Axe, o novo orçamento militar de Taiwan “pagaria, entre outras coisas, novos mísseis de defesa aérea para as seis fragatas da classe Kang Ding da marinha, mais quatro drones armados MQ-9B para a força aérea, bem como uma série de mísseis para a crescente frota de novos caças F-16V”. O objetivo do armamento fica evidente para qualquer especialista: “Taipé está cada vez mais se apoiando na vantagem natural que qualquer defensor tem contra um atacante”, diz o jornalista, citando a possibilidade de um ataque chinês contra a ilha e a tática defensiva batizada “porco-espinho”.

O Ministério da Defesa taiwanês afirmou, em comunicado na semana passada, que a movimentação militar é uma reação natural frente às ações do belicoso vizinho. “Os comunistas chineses continuaram a investir pesadamente nos orçamentos de defesa nacional. Seu poderio militar cresceu rapidamente e frequentemente despacha aeronaves e navios para invadir e assediar nossos mares e espaço aéreo”, diz o texto da pasta.

O ministro taiwanês das Relações Exteriores, Joseph Wu, disse recentemente que a manutenção da democracia na ilha é fundamental para bloquear a expansão da China na região do Indo-Pacífico e, assim, garantir a liberdade global de navegação no Estreito de Taiwan e no Mar do Sul da China. E classificou a ilha como uma “fortaleza marítima”, expressão que, embora tenha sido usada no sentido geopolítico, também se encaixa perfeitamente no militar.

Aliados em alerta

As nações aliadas a Taiwan têm igualmente se movimentado frente ao aumento da ameaça chinesa na região. Exemplo mais recente, a Austrália abriu mão de um acordo para aquisição de submarinos convencionais franceses e optou por unidade nucleares anglo-americanas. Os submarinos não estarão em ação sequer nos próximos dez anos, mas o simples acordo para comprá-los serve para acirrar ainda mais os ânimos na região.

“Os EUA têm uma vantagem significativa sobre a China no desenvolvimento de submarinos. Os submarinos chineses estão pelo menos uma geração atrás dos americanos”, disse o especialista em defesa Marcus Hellyer, do Instituto Australiano de Política Estratégica, à rede local 9News. “Também na tecnologia antisubmarino, os Estados Unidos e outras nações ocidentais tradicionalmente lideram em relação à China”.

Mas a ação australiana não deve ficar sem resposta. Quem diz isso é Ben Bland, diretor do programa do Sudeste Asiático do Instituto Lowy, em Sydney, que falou com o jornal The New York Times. Segundo ele, é possível que “a abordagem cada vez mais estridente dos EUA e de aliados como a Austrália force a China a responder na mesma moeda, impulsionando um ciclo de escalada que está centrado no Sudeste Asiático, mas desconsidera as vozes do Sudeste Asiático”.

Dino Patti Djalal, ex-embaixador da Indonésia nos Estados Unidos, endossa essa última opinião de Bland. “A preocupação é que isso desencadeie uma corrida armamentista prematura, da qual a região não precisa agora. Nem precisará no futuro”.

China amplia incursões no espaço aéreo de Taiwan, e tensões escalam no Indo-Pacífico
Drones MQ-9 Sea Guardian da força aérea norte-americana: Taiwan quer comprar quatro destes (Foto: Wikimedia Commons)

Por que isso importa?

Taiwan é uma questão territorial sensível para os chineses. Relações exteriores que tratem o território como uma nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio defendido de “Uma Só China“, que também encara Hong Kong como território chinês.

Diante da aproximação do governo taiwanês com os Estados Unidos, a China endureceu sua retórica contra as reivindicações de independência da ilha autônoma no ano passado.

Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos países do mundo, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal fornecedor de armas da ilha, o que causa imenso desgosto a Beijing, que tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação.

Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan, e agora já invadem o espaço aéreo da ilha, deixando claro que a China não aceitará a independência do território “sem uma guerra”.

embate, porém, pode não terminar em confronto militar, e sim em um bloqueio total da ilha. É o que apontaram relatórios produzidos pelos EUA e por Taiwan em junho, de acordo com o site norte-americano Business Insider.

O documento, lançado pelo governo taiwanês no ano passado, pontua que Beijing não teria capacidade de lançar uma invasão em grande escala contra a ilha. “Uma invasão provavelmente sobrecarregaria as forças armadas chinesas”, concordou o relatório do Pentágono.

Caso ocorresse, a escalada militar criaria um “risco político e militar significativo” para Beijing. Ainda assim, ambos os documentos reconhecem que a China é capaz de bloquear Taiwan com cortes dos tráfegos aéreo e naval e das redes de informação.

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