Manifestante relata tortura da polícia chinesa após participar de protestos

Gás de pimenta e privação do sono foram algumas das táticas usada pelas autoridades contra Huang Guoan durante a detenção

Mais de um ano após os protestos ocorridos na China contra a radical política “Zero Covid” do governo, começam a surgir relatos da dura repressão imposta pelas autoridades. Prisões abusivas, familiares perseguidos e tortura são algumas das práticas adotadas por Beijing para tentar silenciar os manifestantes. Huang Guoan, um programador de 30 anos que fez parte do movimento, foi vítima da brutalidade do regime e relatou à rede Radio Free Asia (RFA) o quanto sofreu nas mãos da polícia.

No final de novembro de 2022, os chineses foram às ruas após as trágicas mortes de dez pessoas em um incêndio em um apartamento de Urumqi, capital de Xinjiang. Para os manifestantes, as mortes poderiam ter sido evitadas se não fosse a aplicação draconiana da política “Zero Covid”, que teria atrasado a resposta dos bombeiros ou impedido que os moradores escapassem do prédio.

Huang, que fez parte das manifestações, conta que passou 15 dias detido depois disso, acusado de publicar um ensaio criticando o Partido Comunista Chinês (PCC). Segundo as autoridades, o texto teria sido divulgado por um site ligado ao movimento espiritual Falun Gong, banido pelo governo, que o considera “extremista”. Torturado, ele “confessou” ter sido o autor.

Manifestantes erguem papéis brancos em branco como símbolo contra a censura (Foto: Twitter/Reprodução)

Na detenção, o manifestante diz que foi torturado com spray de pimenta e privação do sono. Segundo ele, uma luz muito forte o impedia de adormecer, e nem mesmo com os olhos fechados era possível bloqueá-la. “É difícil para os seus olhos se recuperarem mesmo depois de um dia inteiro”, disse.

Huang também revelou o que o motivou a protestar: a fome que passou durante os bloqueios impostos pelo governo durante a pandemia. “Eu tinha armazenado principalmente arroz, então juntei um pequeno saco de arroz por mais de um mês”, relatou. “No final daquele mês, eu estava comendo mingau cada vez mais ralo e sabia que em apenas alguns dias passaria fome.”

Com a população perto do limite, a insatisfação começou a se espalhar. Casos de suicídio tornaram-se mais frequentes, e o governo inclusive deixou de publicar estatísticas a respeito. O incêndio em Urumqi foi o estopim, e depois daquilo muitas pessoas se rebelaram. As cercas erguidas pela polícia para impedir a passagem de pessoas foram derrubadas, e o protesto se formou.

Segundo Huang, a reação imediata das autoridades foi bastante violenta. “A polícia usou barras de ferro e bastões elétricos para esmagar as cabeças das pessoas, que caíam no chão”, contou. “As pessoas na linha de frente devem ter sido presas no local.”

Embora tenha escapado das forças de segurança nos primeiros meses após os protestos, que passaram a ser conhecidos como “Movimento do Livro Branco”, Huang acabou preso em maio deste ano. À época já havia obtido um visto para a Nova Zelândia e se preparava para fugir da China. Detido, torturado e solto posteriormente, consegui ir embora no país, mas não escapou da perseguição.

Já na Nova Zelândia, recebeu, ordens para retornar ao território chinês, sob o argumento de que isso protegeria a ele e “a seus familiares”. Uma conta bancaria com cerca de 380 mil yuans (R$ 266 mil) foi congelada, o antigo apartamento dele foi revistado e parentes e amigos foram levados pela polícia para interrogatório.

Hoje, Huang aguarda uma resposta a seu pedido de asilo na Nova Zelândia, onde recebe o apoio de uma entidade local.

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