Mianmar relata mais de dois mil mortos em razão de terremoto e vê crise humanitária se agravar

País já sofria os efeitos devastadores de um golpe de Estado que levou a um conflito civil, com ajuda alimentar bloqueada pelos militares

O terremoto de magnitude 7,7 na escala Richter que atingiu Mianmar na sexta-feira (28) deixou um rastro de destruição e aprofundou o cenário de crise em um país já devastado por tomadas de poder, guerra civil, fome e deslocamentos em massa. Segundo autoridades locais, mais de duas mil pessoas morreram, mas agências humanitárias temem que o número real de vítimas seja ainda maior. As informações são da agência Associated Press (AP).

Em Mandalai, segunda maior cidade do país e próxima ao epicentro, centenas de prédios desabaram. No mosteiro budista U Hla Thein, onde cerca de 270 monges realizavam exames, apenas 70 conseguiram escapar. Até a tarde desta segunda-feira (31), 50 corpos haviam sido encontrados, e 150 pessoas seguiam desaparecidas sob os escombros.

Além disso, cerca de 700 fiéis muçulmanos foram mortos enquanto participavam das orações de sexta-feira do Ramadã em mesquitas agora que ruíram, segundo Tun Kyi, da Rede Muçulmana da Revolução da Primavera em Mianmar. Sessenta mesquitas teriam sido danificadas ou destruídas.

“Mesmo antes desse terremoto, quase 20 milhões de pessoas em Mianmar já precisavam de ajuda humanitária”, disse Marcoluigi Corsi, coordenador da ONU (Organização das Nações Unidas) no país.

Cenas de resgate após o terremoto que atingiu Mianmar (Foto: freemalaysiatoday.com/Creative Commons)

A Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou a destruição de três hospitais e danos em outros 22. “As unidades de saúde estão sobrecarregadas e há necessidade urgente de atendimento cirúrgico, medicamentos essenciais e apoio em saúde mental”, informou a entidade.

As dificuldades para o resgate se somam à guerra civil em curso, que há anos torna diversas áreas inatingíveis para ONGs e equipes de ajuda. “Não está claro ainda o tamanho da destruição”, afirmou Lauren Ellery, do Comitê Internacional de Resgate. “Há relatos de cidades com 80% dos prédios colapsados, mas não há comunicação suficiente para confirmar.”

Equipes de Rússia, China, Índia e de países do Sudeste Asiático já atuam nas áreas afetadas. A União Europeia (UE), a Austrália, o Reino Unido e a Coreia do Sul anunciaram doações milionárias. Os EUA prometeram até US$ 2 milhões em apoio via organizações locais, além de enviarem especialistas.

Em Bangkok, capital da Tailândia, onde o terremoto causou o desabamento de um edifício em construção, 18 pessoas morreram e 78 seguem desaparecidas.

Golpe de Estado

A crise humanitária em Mianmar está diretamente atrelada à repressão imposta após as eleições presidenciais de novembro de 2020. Na ocasião, os militares impediram o partido eleito de assumir o poder e prenderam a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertarem Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

China e Rússia estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

A situação tornou-se ainda mais delicada nos últimos meses, conforme ganha força uma aliança rebelde armada que tem como objetivo derrubar os militares. A coalizão, que tem obtido importantes vitórias em combates contra as forças do regime, diz que seu objetivo é “tentar formar um governo revolucionário interino junto com o povo” ainda em 2025.

Crise humanitária

Segundo a ONU, desde o golpe militar de fevereiro de 2021, que derrubou o governo democraticamente eleito, o número de pessoas sofrendo com insegurança alimentar no país subiu para 15,2 milhões. E a quantidade de birmaneses nessa situação pode chegar a quase um terço da população do país ainda neste ano.

Peritos destacados pela ONU para analisar a situação destacam que, à medida que a junta perde território para a resistência armada, os militares respondem com a retenção de ajuda humanitária. Eles limitam rotas comerciais e alvejam trabalhadores humanitários, agravando uma situação alimentar que já é crítica.

Mianmar tem mais de 19,9 milhões de pessoas precisando de assistência. Ataques militares destruíram maquinário de agricultura e contaminaram as terras aráveis com minas e outros explosivos. Mesmo onde existe chance de plantio, não se conseguem trabalhadores por causa do deslocamento massivo de pessoas fugindo do recrutamento das Forças Armadas.

A economia de Mianmar foi dizimada, impactando a segurança alimentar. Neste ano, o custo de itens básicos com arroz, feijão, óleo e sal deve subir 30% se comparado a 2023. O conflito também tem um impacto arrasador para as crianças, com cerca de 55% delas vivendo na pobreza. No ano passado, surtos de diarreia agravados pela falta de medicamentos matou mais de 36 crianças.

Tags: