Militares de Mianmar ‘devem ser investigados por crimes de guerra’, diz ONG

Anistia Internacional acusa regime de matar, prender arbitrariamente e roubar civis conforme luta contra a resistência armada no país

“Os militares de Mianmar mataram ilegalmente, detiveram arbitrariamente e roubaram civis enquanto lutam para conter a mais forte explosão de resistência armada desde o golpe de 2021.” A declaração foi feita na quinta-feira (21) pela ONG Anistia Internacional, segundo a qual a junta que governa o país asiático deveria ser investigada por crimes de guerra.

A Anistia chegou a tais conclusões após investigar as ações dos militares desde o golpe. No processo, entrevistou dez civis e analisou documentos como fotos, vídeos e imagens de satélite, através dos quais constatou prováveis ​​ataques indiscriminados contra civis e bens civis. Também há indícios de uso de munições cluster, amplamente proibidas e condenadas.

Munições cluster, ou de fragmentação, se abrem no ar e despejam diversas submunições, pequenas bombas que atingem uma área consideravelmente maior a fim de ampliar o dano, reduzindo a chance de as pessoas se protegerem. Assim, mesmo que o alvo seja militar, a possibilidade de que civis sejam atingidos é consideravelmente maior.

A ONG afirmou que todas essas ações “deveriam ser investigadas como crimes de guerra.”

Min Aung Hlaing, general que lidera a junta no poder em Mianmar desde o golpe de Estado (Foto: Wikimedia Commons)

“Os militares de Mianmar têm um currículo manchado de sangue por ataques indiscriminados com consequências devastadoras para os civis, e sua resposta brutal a uma grande ofensiva de grupos armados se enquadra num padrão de longa data”, afirmou Matt Wells, diretor do Programa de Resposta a Crises da Anistia Internacional.

O regime militar que governa Mianmar enfrenta atualmente seu maior desafio desde o golpe de Estado de fevereiro de 2021. A manutenção do poder pela junta que governa o país está ameaçada devido aos recentes avanços obtidos por grupos rebeldes étnicos armados que lançaram uma ofensiva conjunta em outubro.

Segundo a agência Reuters, o presidente do Conselho de Administração do Estado, Myint Swe, afirmou em reunião do Conselho de Defesa e Segurança Nacional, em meados de novembro, que o país corre o risco de “ser dividido em várias partes” caso o governo não consiga “gerir eficazmente os incidentes que acontecem na região fronteiriça.”

Os insurgentes têm conquistado cada vez mais posições antes ocupadas pelos militares, assumindo o controle de armas e outros equipamentos que aumentam seu poder de fogo nos confrontos. O resultado é uma intensificação das hostilidades, com mais violência atingindo inclusive os civis.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), desde o dia 27 de outubro até o final da semana passada, ao menos 378 civis foram mortos, com mais 505 feridos e cerca de 660 mil deslocados. Estes últimos se somam aos quase dois milhões que já haviam sido deslocados anteriormente em todo o país.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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