Um curioso movimento que nasceu na internet e tem ganhado espaço na China chamou a atenção do Partido Comunista Chinês (PCC), levando a censura online e a um discurso repreensivo do presidente Xi Jinping. Trata-se do tang ping, do inglês lying flat (ficar deitado, em tradução livre). A ideia básica é fazer o mínimo necessário para a sobrevivência, consequentemente abdicando da disputa ferrenha por ascensão social que move a segunda maior economia do mundo. As informações são do jornal South China Morning Post.

A ideia surgiu através de um post que viralizou em abril de 2021, quando um homem chamado Luo Huazhong fez um despretensioso post na rede social chinesa Baidu Tieba. “A vida é apenas deitar, deitar e deitar”, disse ele no post, intitulado “Ficar deitado é justiça”.

Mais tarde Luo explicou melhor a ideia, que àquela altura já havia se espalhado. “Quando digo deitar, não quero dizer que simplesmente me deito todos os dias e não faço nada”, disse ele. “Ficar deitado é um estado de espírito – ou seja, sinto que muitas coisas não são dignas da minha atenção e energia”.

O criador do movimento se enxerga hoje como um pensador moderno. “Como nunca houve realmente uma tendência ideológica que exaltasse a subjetividade humana nesta terra, devo criá-la por mim mesmo”, disse Luo. “Ficar deitado é o meu movimento de homem sábio”.

Numa sociedade competitiva como a chinesa, o lying flat entrou na mira do repressor governo Xi Jinping. No dia 15 de outubro, o presidente se dirigiu aos adeptos da lei do mínimo esforço em discurso reproduzido pelo principal jornal sobre teoria política do PCC, o Qiushi.

“É preciso evitar a estagnação da classe social, desobstruir os canais de ascensão social, criar oportunidades para que mais pessoas se tornem ricas e formar um ambiente de melhoria do qual todos participem, evitando a involução e o achatamento”, disse Xi.

Porém, a mão de ferro de Beijing parece não intimidar a juventude chinesa, que transformou o lying flat em um movimento online difundido através das redes sociais locais. Isso aumenta a apreensão do governo, que enxerga a inércia da juventude como uma ameaça à ordem social e econômica do país. Os efeitos podem influenciar inclusive na baixa taxa de natalidade , atualmente um grande problema no país, segundo economistas e analistas sociais.

Segundo Gavin Sin Hin Chiu, ex-professor da Universidade de Shenzhen, a preocupação de Beijing se justifica. “Caso se espalhe, afetará as expectativas dos jovens em relação ao crescimento da renda, consumo, casamento e parto, o que será prejudicial à capacidade da China de evitar a armadilha da renda média, onde o crescimento fica estagnado e a renda empaca”, disse ele.

Censura digital

A fim de conter a proliferação das ideias do lying flat, o governo fez uso de seu “Grande Firewall” para apagar o post de Luo que viralizou, bem como uma série de republicações que teimavam em fazer a ideia original continuar a circular na internet. A ideia continua viva, mas atualmente é difícil conduzi-la até a fonte original, o que, na visão do PCC, tende a enfraquecer o movimento.

Fora do ambiente digital, o lying flat segue como um desafio enorme para o governo, que não pode utilizar suas ferramentas habituais para reprimir o movimento. Afinal, uma coisa é silenciar os críticos e reprimir manifestações de oposição. Outra, bem mais complexa, é forçar as pessoas a saírem de suas camas e a contribuírem com o crescimento econômico nacional. E, em casos assim, a censura e a repressão estatais podem ate fortalecer o movimento, focado justamente em contestar todo conceito sobre o qual sociedade chinesa está escorada.

Para analistas do grupo financeiro Nomura, o cerne do problema está na desigualdade social. “A queda da mobilidade social, fruto do aumento da desigualdade de riqueza, tem semeado o descontentamento, sobretudo entre jovens, que têm expectativas mais altas após observarem a grande quantidade de riqueza acumulada no país”, diz um relatório de agosto. “O movimento lying flat, que convida os jovens a deixar a luta pelo sucesso profissional e resistir aos atrativos da satisfação do consumidor, é uma extensão direta desse descontentamento”.