Mesmo após um terremoto de magnitude 7,7 na escala Richter atingir o centro de Mianmar, o Exército do país manteve ataques aéreos contra civis, segundo denúncia da ONG Anistia Internacional. A ofensiva militar agrava a situação em um país devastado, com hospitais lotados e milhares de desabrigados em razão do desastre natural que deixou mais dois mil mortos e quatro mil feridos.
Na zona rural do município de Chaung-U, em Sagaing, um socorrista local relatou à Anistia que se abrigou de ataques nos dias seguintes ao terremoto. Ele descreveu o som dos motores de aeronaves de pequeno porte, usadas nas ofensivas como “parecido com uma motosserra”. O barulho já faz parte da rotina da população. “Torna-se como nossa vida diária sobreviver aos ataques aéreos. Não sei por que ainda não pararam”, disse ele.

Segundo uma enfermeira que atua no mesmo município e integra o Movimento de Desobediência Civil, houve ataques no próprio dia do terremoto e também no dia seguinte. Ela afirma que os moradores estão traumatizados: “Não estou bem mentalmente, todo mundo na vila está assustado por causa dos ataques e do terremoto.”
Apesar de o Exército ter feito um apelo incomum por ajuda internacional, o acesso aos locais mais atingidos é dificultado por bloqueios, apagões de internet e inspeções rigorosas das Forças Armadas. Um relatório de grupos da sociedade civil destacou a escassez de suprimentos básicos em Sagaing, como sacos para cadáveres, cal hidratada, lanternas e medicamentos.
Moradores informaram que a fiscalização sobre veículos vindos de Mandalai, perto do epicentro, é severa e mais demorada se os carregamentos partem de regiões ligadas à resistência armada.
No hospital geral da cidade de Sagaing, a cena é de colapso. “A situação no hospital era como na Covid-19, há toneladas de corpos, sem saber quem são e a quem pertencem. O hospital apenas os coloca no crematório”, relatou uma grávida que permanece ao relento no pátio da unidade. Ela precisa de uma cesariana, mas não consegue acesso a Mandalai, onde o procedimento deveria ser feito.
“O Exército de Mianmar, assim como todos os envolvidos nos esforços de ajuda, deve garantir que os direitos humanos sejam plenamente respeitados e que as necessidades humanitárias dos sobreviventes sejam prioridade absoluta”, afirmou Joe Freeman, pesquisador da Anistia Internacional.