ONU relata aumento na frequência e na audácia dos crimes de guerra em Mianmar

Milícias militares birmanesas violam direito internacional de forma cada vez mais frequente, incluindo bombardeios aéreos a civis, segundo investigadores

Investigadores das ONU (Organização das Nações Unidas) afirmam ter coletado provas substanciais do aumento dos crimes de guerra em Mianmar, incluindo execuções em massa e violência sexual. Eles estão compilando registros de casos para auxiliar na responsabilização dos responsáveis. As informações são do site The Hill.

O Mecanismo de Investigação Independente para Mianmar (IIMM, da sigla em inglês) divulgou nesta terça-feira (8) que possui evidências de que as milícias militares e grupos afiliados estão envolvidos em “crimes de guerra cada vez mais frequentes e audaciosos”.

Tais provas destacam bombardeios aéreos indiscriminados, incêndios de aldeias, assassinatos em massa de civis e prisioneiros de guerra, além de relatos de tortura e abuso.

Tanque das forças de Mianmar (Foto: WikiCommons)

No relatório anual, a equipe de investigação ressaltou que o número de incidentes caracterizados como graves crimes internacionais aumentou desde o golpe.

Segundo Nicholas Koumjian, líder do Mecanismo, disse que “cada vida perdida em Mianmar é uma tragédia, mas a devastação causada por bombardeios aéreos e incêndios em aldeias inteiras é especialmente chocante.”

Ele acrescentou que as evidências apontam para um significativo aumento nos crimes de guerra e crimes contra a humanidade no país, com ataques disseminados e sistemáticos contra civis. “Estamos compilando registros de casos que podem ser utilizados pelos tribunais para responsabilizar os indivíduos responsáveis.”

Crueldade extrema

O IIMM foi estabelecido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) em 2018 para coletar evidências dos crimes internacionais mais graves e preparar arquivos para processos criminais.

Apesar de não ter recebido permissão para visitar Mianmar, a equipe engajou-se com mais de 700 fontes e coletou “mais de 23 milhões de itens de informação”, incluindo depoimentos de testemunhas, documentos, fotografias, vídeos, provas forenses e imagens de satélite.

A equipe, que já colabora com o Tribunal Penal Internacional (TPI), tem a intenção de intensificar a coleta de evidências dos crimes internacionais mais graves.

As evidências apontam que esses crimes estão sendo cometidos com níveis extremos de crueldade e violência contra as vítimas, incluindo estupros com objetos, humilhação, mutilação, estupros em série e escravidão sexual, conforme destacado no relatório.

Além disso, o IIMM está investigando a disseminação de violência sexual durante a brutal repressão da minoria muçulmana Rohingya em Mianmar, que em 2017 resultou no deslocamento de quase um milhão de pessoas.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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