Rejeitadas pelo Ocidente, câmeras de vigilância da China marcam presença em outros países, inclusive no Brasil

Além de apresentar vulnerabilidades de cibersegurança, o equipamento de videomonitoramento fabricado na China traz preocupações com a repressão de dissidentes e a violação de direitos humanos no Sul Global

Por André Amaral

As câmeras de vigilância chinesas, que enfrentaram rejeição devido a preocupações com segurança cibernética e espionagem por parte de vários países ocidentais, estão ganhando popularidade em outras partes do mundo, incluindo o Brasil.

As principais preocupações giram em torno da vulnerabilidade dos sistemas chineses a ataques cibernéticos e ao potencial de espionagem por Beijing, a capital global voyeur. A falta de transparência sobre as medidas de segurança implementadas pelas empresas chinesas e o destino dos dados coletados pelas câmeras ajudam a alimentar a desconfiança.

Sob Xi Jinping, o governo chinês ampliou a vigilância interna e impulsionou empresas a fabricar tecnologia sofisticada a preços mais acessíveis. Uma iniciativa global de infraestrutura estabelecida pelo presidente está disseminando ainda mais essa tecnologia.

A crescente adoção das câmeras chinesas é impulsionada por vários fatores, incluindo justamente os preços baixos em comparação com marcas ocidentais, o que atrai governos e empresas com orçamentos limitados. Além disso, em alguns casos, a falta de fornecedores nacionais ou internacionais torna as opções chinesas mais viáveis.

Câmeras chinesas têm sido os olhos do estado de vigilância em nações do Sul Global (Foto: WikiCommons)

Mas não necessariamente é preciso gastar dinheiro para tê-las. Em 2017, a empresa chinesa Dahua doou mil câmeras IP à Prefeitura de São Paulo, conforme relatado pelo Consulado Geral da República Popular da China na capital paulista, levantando preocupações em certos setores da sociedade civil. Esses equipamentos são frequentemente encontrados em órgãos públicos e privados, incluindo escolas, universidades, condomínios, lojas e até mesmo em projetos governamentais de segurança pública.

Outras doações foram feitas nos últimos anos no Brasil. Em 2021, a gigante Huawei, que enfrenta uma tendência global de proibições em redes de telecomunicações, doou mil câmeras de segurança à cidade de Manaus, no Amazonas, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, visando combater a criminalidade.

Huawei é o principal alvo de suspeitas, com AustráliaNova ZelândiaCanadáEstados Unidos e Reino Unido, entre outros países, tendo banido a fabricante por medo de que a China possa usá-la para espionagem. A desconfiança é baseada na suposta proximidade das companhias do setor com o governo chinês.

Em 2019, a estatal China Electronics Corporation (CEIEC) doou 300 câmeras de segurança ao estado do Rio de Janeiro para uso em áreas de alta criminalidade, em colaboração com a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Segundo o jornal South China Morning Post, a empresa foi alvo de sanções internacionais em 2019 pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos devido à sua suposta colaboração com o governo venezuelano na repressão de protestos e na violação dos direitos humanos. As acusações apontavam que a CEIEC teria fornecido ao regime de Nicolás Maduro equipamentos de tecnologia de informação e comunicação utilizados para monitorar e suprimir dissidentes.

No ano seguinte, em 2020, a Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação do Estado de São Paulo (Fapesp) recebeu 100 câmeras de reconhecimento facial da Hikvision para um projeto de pesquisa em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), com o objetivo de desenvolver um sistema de monitoramento de aglomerações em tempo real.

A fabricante chinesa foi impedida de vender tecnologia nos EUA pelo ex-presidente Donald Trump. Em 2021, Joe Biden adicionou a Hikvision à lista de empresas do complexo industrial militar chinês, o que impede os americanos de investir nela.

Reino Unido igualmente alimenta desconfianças em relação à Hikvision. Em 2022, o comissário de biometria e câmeras de vigilância britânico, Fraser Sampson, solicitou à empresa que detalhasse seu envolvimento nos abusos de direitos humanos contra a minoria étnica muçulmana na China. A autoridade também pediu que o governo prestasse esclarecimentos sobre a compra de equipamentos de vigilância.

Segundo Sophie Richardson, diretora da ONG Human Rights Watch na China, o mundo deve ficar atento a países com histórico de repressão estatal e seus sistemas de videomonitoramento.

“Há muito tempo pedimos que as tecnologias de vigilância sejam regulamentadas para que não sejam implantadas por governos abusivos. Nossa pesquisa mostra que a repressão aprimorada pela tecnologia de Beijing se estende tanto dentro quanto fora da China”, disse.

Big Brother China

O Sul Global tem sido um cliente importante das empresas chinesas que desenvolvem esse tipo de equipamento, que promete ajudar nações instáveis no combate ao tráfico de drogas, assaltos e assassinatos. Porém, a população civil tem pago um preço alto por esses acordos.

Em setembro do ano passado, o Taleban começou a implantar no Afeganistão um sistema de vigilância em massa, sob o argumento de combater a ameaça do Estado Islâmico-Khorasan (EI-K). São mais de 62 mil câmeras de segurança em todo o país.

Segundo a agência Reuters, os radicais reaproveitariam um antigo projeto feito pelos Estados Unidos, mas as novas câmeras seriam fornecidos pela Huawei, aproveitando que a China é hoje um importante parceiro dos talibãs.

Grupos de defesa dos direitos humanos contestam o projeto de vigilância. Eles questionam de onde o Taleban tiraria o dinheiro, vez que o país vive um grave crise financeira e tem milhões de pessoas que necessitam de ajuda humanitária. Além disso, afirmam que a tecnologia poderia ser usada para ampliar a repressão contra os cidadãos.

O Zimbábue também está abraçando o uso de tecnologia de vigilância chinesa. Segundo artigo do Global Voices, sob a liderança do presidente Emmerson Mnangagwa, o espaço para a sociedade civil no país está se estreitando, tanto online quanto offline, à medida que o governo implementa uma série de medidas legais e extralegais para reprimir a dissidência. Esse processo tem sido facilitado pelo uso de tecnologia de vigilância proveniente de Beijing por meio da iniciativa Nova Rota da Seda (Belt and Road Iniciative, da sigla em inglês BRI).

No país africano, empresas como a Huawei e Hikvision estão na vanguarda da instalação de câmeras de reconhecimento facial nas grandes cidades, resultando em um estado de vigilância abrangente. Um exemplo citado no artigo é o de que a polícia instalou câmeras de CCTV em Harare e Bulawayo, redutos da oposição política. Essas áreas são frequentemente problemáticas para as autoridades, já que protestos contra o governo tendem a ocorrer nelas.

Centro de Bulawayo, no Zimbábue (Foto: WikiCommons)

Além disso, o Zimbábue foi identificado como cliente do spyware digital invasivo conhecido como Pegasus, fabricado em Israel, uma ferramenta eficaz para silenciar vozes dissidentes. O governo nega as acusações.

No Equador, em 2018, ocorreu um vazamento de dados que expôs senhas e imagens de câmeras de segurança de várias instituições, incluindo a presidência da república e a Polícia Federal. O incidente foi atribuído a falhas de segurança nos sistemas chineses.

O sistema de segurança instalado no país, chamado ECU-911, foi principalmente desenvolvido por duas empresas chinesas: a CEIEC e a Huawei, segundo o jornal The New York Times, e usado inicialmente nos Jogos Olímpicos de 2008. Versões similares da rede foram vendidas para Venezuela, Bolívia e Angola, conforme anunciado pelo governo e pela mídia estatal chinesa.

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