Ricos trocam Hong Kong por Singapura em meio à incerteza política

O número de indivíduos com alto patrimônio líquido em Hong Kong caiu quase 30% nos últimos anos. Elite local tem buscado manter sua riqueza longe de tensões políticas

Enquanto o número de pessoas de alta renda em Hong Kong caiu aproximadamente 30% de alguns anos para cá, Singapura viu sua elite aumentar 40% nesse período. Entre as razões que explicam a debandada de milionários e bilionários do território semiautônomo na China para a cidade-Estado que é um dos principais centros financeiros do mundo estão o congelamento de ativos sob a lei de segurança nacional e a desvalorização dos imóveis. As informações são da rede Radio Free Asia.

Em seu mais recente relatório sobre o ranking das cidades mais ricas do mundo, a Henley & Partners, uma consultoria de migração de investimentos com sede em Londres, apontou que entre os anos de 2012 e 2023 houve uma queda de 27% na população de classe A em Hong Kong, o que fez com que a cidade passasse do quarto para o sétimo lugar. Enquanto isso, Singapura pulou para a quinta posição.

Preocupada com o êxodo de profissionais de excelência, autoridades honconguesas têm somado esforços para atrair novos cérebros em substituição aos que foram embora. Para isso, têm oferecido desde passagens gratuitas até vistos de trabalho.

Vista de Singapura (Foto: Pexels/Reprodução)

Mas a retirada não ocorre só no topo da pirâmide social. Famílias de classe média também estão vendendo suas propriedades e deixando a cidade. Entre os principais motivos estão as restrições à liberdade de expressão e a interferência política nas escolas e universidades – obras politicamente sensíveis têm restrições de acesso em bibliotecas, por exemplo.

Em meio a esse cenário, a queda populacional da cidade foi de 1,6%, segundo informou o Departamento de Censo e Estatística de Hong Kong em agosto do ano passado: de 7,41 milhões de pessoas para 7,29 milhões.

O decréscimo também tem relação com o fato de que uma fatia considerável de habitantes de Hong Kong teria escolhido se estabelecer em outro lugar durante a pandemia de Covid-19, marcada por rígidos controles sanitários do governo.

De acordo com o jornalista local Joseph Ngan, pouca coisa diferencia Hong Kong de outras cidades da China continental. Ele observa que muitos fugiram de lá com destino a Singapura durante os três anos de bloqueios e fechamento de portos impostos pela política de Covid Zero.

Outro fator determinante, segundo Ngan, foi a repressão aos opositores sob a lei de segurança nacional após os protestos pró-democracia de 2019, que manchou a reputação da cidade entre os indivíduos de alta renda. “Desde que a lei de segurança nacional entrou em vigor, o ambiente político e jurídico tornou-se semelhante ao da China continental”, disse o jornalista.

Ao contrário de Honk Kong, o ambiente político e econômico de Singapura é “bastante estável”, observa Ngan. E, pela ascensão da assim chamada “Pérola da Ásia”, muitos milionários chineses têm preferido ir para Singapura em vez da ex-colônia britânica.

“Olhando para a lista da Forbes do ano passado, vemos que cerca de metade dos bilionários de Singapura vem da China continental”, disse Ngan. “Muito dinheiro da China continental está indo direto para Singapura e não está mais passando por Hong Kong.”

Para Simon Lee, do Instituto de Negócios da Ásia-Pacífico, da Universidade Chinesa de Hong Kong, basicamente, os mais ricos querem manter sua riqueza longe de questões políticas.

“Singapura pode mantê-la (a riqueza) longe de tensões entre outros países, como Estados Unidos, Europa, China ou Rússia“, disse ele.

Ngan endossa a visão de Lee. “O mais importante para os ricos não é o tamanho do mercado financeiro, mas até que ponto seus bens pessoais serão protegidos. E Singapura fez um bom trabalho nesse sentido”, disse ele.

O mercado imobiliário também é mais atraente na cidade-Estado. Enquanto os preços dos imóveis em Hong Kong caíram 15% em 2022, o setor está aquecido em Singapura.

Por que isso importa?

Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

Tags: