Na terça-feira (20), seis indivíduos foram presos na Turquia sob suspeita de espionagem contra a comunidade uigur no país, alegadamente a serviço da inteligência chinesa, em uma ação incomum e pública contra Beijing. As autoridades turcas ainda estão em busca de um sétimo suspeito, conforme relatado pela agência Anadolu, com informações reproduzidas pelo site AL-Monitor.
As prisões foram realizadas com base em uma investigação conduzida pelo departamento de terrorismo e crime organizado do procurador-chefe de Istambul, de acordo com a Anadolu.
Segundo Abduresid Eminhaci, um ativista uigur baseado na Turquia, as prisões refletem o aumento das atividades de espionagem chinesa contra membros da minoria étnica muçulmana, que buscam refúgio em território turco devido à alegada opressão sistemática do governo chinês. Ele afirmou à reportagem que as detenções são cruciais para “abordar as preocupações de segurança de cerca de 70 mil pessoas da região do Turquestão Oriental que vivem na Turquia.”
A província autônoma de Xinjiang, antes da conquista chinesa, era conhecida como Turquestão Oriental e chegou a abrigar um reino.
Os seis suspeitos estão sob custódia em Istambul por supostamente coletarem informações sobre a diáspora uigur na Turquia, sem que as autoridades tenham confirmado suas nacionalidades. A China abriga uma grande comunidade uigur, principalmente da região de Xinjiang.
Após a reeleição do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em maio do ano passado, os laços entre Ancara e Beijing melhoraram. O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, visitou a Turquia em julho para fortalecer a cooperação econômica. No entanto, as relações entre os dois países têm sido afetadas pela questão do tratamento da população uigur pela China.
A Turquia se tornou um destino preferencial dos uigures nos anos 1950, e atualmente existem cerca de 50 mil representantes da etnia no país. Eles são beneficiados por um programa de Ancara de apoio a grupos étnicos, culturais e linguísticos com raízes turcas, o que não basta para garantir-lhes liberdade e privacidade plenas. Beijing consegue driblar a proteção estatal e assim mantém seus tentáculos sobre a minoria mesmo em território turco. Há até uma estratégia adotada pelo governo chinês usada para pressionar os refugiados a espionar uns aos outros.
Embora o governo turco trate com rigor os casos de espionagem, essas ações não envolvem a obtenção de segredos de Estado. Além disso, Ancara mantém investimentos significativos na China. Apesar de expressar preocupação com a situação dos uigures na ONU (Organização das Nações Unidas) em 2019, a questão dos direitos humanos dessa comunidade, incluindo a liberdade religiosa, não tem recebido a devida atenção do governo turco.
Tanto os Estados Unidos quanto a União Europeia (UE) acusaram a China de oprimir os uigures, detendo dezenas de milhares dessa minoria muçulmana em campos de internamento, visando suprimir sua identidade religiosa. A China refuta as acusações, argumentando que os campos visam combater o separatismo e realizar programas de “reeducação” para desradicalizar extremistas islâmicos.
Nos últimos anos, as autoridades turcas têm aumentado as operações contra redes de espionagem. Em janeiro, a polícia deteve 34 pessoas suspeitas de espionarem palestinos na Turquia para o serviço de inteligência israelense Mossad. Em 2022, várias prisões de iranianos foram feitas sob suspeita de planejarem ataques contra israelenses na Turquia.
Por que isso importa?
A província de Xinjiang faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes linguísticas e étnicas. Ali vive a comunidade uigur, uma minoria muçulmana de raízes turcas que sofre perseguição do governo chinês, com acusações de abusos diversos.
Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.
Em agosto de 2022, a ONU divulgou um aguardado relatório que fala em “graves violações dos direitos humanos” cometidas em Xinjiang. O documento destaca “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção”, bem como “alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.
O relatório, porém, não citou a palavra “genocídio” usada por alguns países ocidentais. O governo do presidente Joe Biden, dos EUA, foi o primeiro a usar o termo para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e a Lituânia se juntou ao grupo mais recentemente.
A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país. Beijing costuma classificar as denúncias como “a mentira do século”.