Somando-se todas as sentenças condenatórias impostas pelo governo da China contra pessoas da minoria étnica dos uigures até hoje, o total de anos de prisão chega a aproximadamente 4,4 milhões. A constatação é de um estudo realizado pela Universidade de Yale, nos EUA.
“A prisão sistemática e em larga escala de uigures na China não só equivale a um crime contra a humanidade e genocídio, mas também a uma perigosa guerra jurídica em grande escala”, diz comunicado do Programa de Estudos sobre Genocídio de Yale, que realizou a análise.
Para fazer a conta, os autores do estudo usaram dados oficiais divulgados pela Alta Procuradoria Popular de Xinjiang, um órgão do governo chinês, bem como documentos apresentados pela sociedade civil e por familiares de vítimas.
“A perseguição sistemática da população uigur da China dificilmente é um segredo, mas estamos sempre aprendendo mais sobre suas profundezas e extensão”, disse o diretor Programa David Simon. “Este relatório mostra até que ponto uma política de encarceramento em massa tem sido usada não apenas para silenciar oponentes do regime, mas também para ameaçar a própria existência da identidade uigur.”
O relatório indica que desde 2014, quando a perseguição se intensificou, mais de 540 mil pessoas foram processadas pelo governo chinês em Xinjiang. Embora a repressão tenha aumentado em todo o país desde 20134, quando o presidente Xi Jinping assumiu o poder, em nenhuma outra região chinesa o número de ações judiciais é tão alarmante.
“Dado que a taxa de condenação da China é superior a 99,9%, quase todos os uigures presos em campos de reeducação ou que estão nas listas de pessoas suspeitas provavelmente foram condenados, o que classificaria [Xinjiang] como a região com a maior taxa de prisão do mundo, com 2.095 por cem mil cidadãos”, diz o relatório.
Para chegar aos 4,4 milhões de anos, os autores tomaram como base a pena média de 8,8 anos de prisão obtida a partir dos documentos da Alta Procuradoria Popular de Xinjiang. E o multiplicaram pelos mais de 500 mil acusados, considerando, para tal, a taxa de condenação de quase 100% no país.
Segundo Rayan Asat, um dos autores, o relatório mostra que a China transformou o sistema judicial em arma de repressão. “A linha inimiga é frequentemente definida como ativistas, jornalistas ou críticos do regime, mas pode ser redefinida à medida que o regime continua a escolher novos alvos como inimigos para sua sobrevivência”, disse ele. “Os cidadãos nunca podem saber onde fica a linha, pois um dia os fazendeiros que se opõem à expropriação de suas propriedades pelo Estado podem se tornar inimigos.”
Por que isso importa?
Os uigures são uma minoria muçulmana de raízes turcas que sofre perseguição do governo chinês, com acusações de abusos diversos. Eles vivem sobretudo na província de Xinjiang, que faz fronteira com países da Ásia Central e com eles divide raízes linguísticas e étnicas.
Os de 11 milhões de uigures enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.
Em agosto de 2022, a ONU divulgou um aguardado relatório que fala em “graves violações dos direitos humanos” cometidas em Xinjiang. O documento destaca “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção”, bem como “alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.
O relatório, porém, não citou a palavra “genocídio” usada por alguns países ocidentais. O governo do presidente Joe Biden, dos EUA, foi o primeiro a usar o termo para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e a Lituânia se juntou ao grupo mais recentemente.
A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país. Beijing costuma classificar as denúncias como “a mentira do século”.