Sob pressão, junta intensifica violência e faz número recorde de vítimas civis em Mianmar

Com o golpe prestes a completar três anos, ONU indica que em 2023 foram registradas 300 mortes de civis a mais que em 2022

No ano passado, cerca de 1,6 mil civis morreram nos confrontos entre as Forças Armadas de Mianmar e grupos rebeldes armados que lutam para depor a junta militar que governa o país. De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), os números são superiores aos de 2022 e estão diretamente ligados às recentes derrotas do regime, que tem tem reagido com mais violência aos revezes dos últimos meses.

Dados divulgados na terça-feira (30) pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) indicam que em 2023 foram registradas 300 mortes de civis a mais que no ano anterior. O que também aumentou bastante foi o número de pessoas detidas por motivos políticos, que já ultrapassa a marca de 26 mil desde o golpe de Estado de fevereiro de 2021.

“As batalhas campais entre os militares e os grupos armados da oposição resultaram em deslocamento em massa e vítimas civis”, disse o alto comissário da ONU para os direitos humanos, Volker Türk. “À medida que os militares sofriam revés após revés no campo de batalha, eles atacavam, lançando ondas de bombardeios aéreos e ataques de artilharia indiscriminados.”

Min Aung Hlaing, general que lidera a junta em Mianmar desde o golpe de Estado (Foto: WikiCommons)

Com os militares prestes a completar três anos no poder, a ONU calcula que 19.973 pessoas continuam detidas arbitrariamente. Já 1.576 pessoas morreram em poder dos militares desde que a ditadura se estabeleceu, encarcerando líderes democráticos como Aung San Suu Kyi, julgada e condenada com base em acusações globalmente reconhecidas como politicamente motivadas.

“As tácticas militares têm se centrado consistentemente na punição de civis que os militares consideram apoiar seus inimigos”, disse Türk. “Como resultado, os militares têm como alvo rotineiro civis e objetos protegidos ao abrigo do direito humanitário internacional, especialmente instalações médicas e escolas.”

Outra medida condenável adotada pelos militares é a interrupção os serviços de comunicação, que foram cortados em 74 municípios do país. O estado de Rakhine é o mais afetado pela medida, com a maioria de seus 17 municípios atingidos.

A ONU também destaca o sofrimento da minoria étnica dos rohingya, concentrados sobretudo nos estados de Rahkine e Chin, no oeste do país. Eles não têm direito à cidadania e são perseguidos pelas autoridades locais, com relatos de assassinatos, estupros e outros abusos. Têm sido implacavelmente atingidos no conflito, como ocorreu em uma batalha particularmente violenta na sexta-feira passada (26).

Na ocasião, um choque entre o Exército Arakan, integrante da Tríplice Aliança que se opõe ao governo, e os militares deixou pelo menos 12 civis rohingya mortos e 30 outros feridos na aldeia de Hpon Nyo Leik. Os rebeldes teriam posicionado suas tropas no local, prendendo a minoria étnica no campo de batalhas conforme a junta bombardeava a área repetidamente.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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