Taiwan atribui à China o corte de cabos de internet que alimentam ilhas periféricas

Além de manter os taiwaneses por mais de um mês desconectados, sabotagem traz implicações para a segurança nacional

Habitantes das ilhas periféricas de Taiwan perto da costa chinesa estão “offline”. A Comissão Nacional de Comunicações de Taiwan (NCC, da sigla em inglês) culpa dois navios chineses pelo corte de cabos submarinos que levam internet à região. As informações são da agência Associated Press.

O órgão atribuiu parte da responsabilidade a uma embarcação de pesca da China, que teria rompido o primeiro cabo a cerca de 50 quilômetros da costa no dia 2 de fevereiro. Mais tarde, no dia 8 de fevereiro, um navio de carga chinês teria cortado o segundo. As autoridades locais alegam que os dados de rastreamento mostram navios de Beijing na área onde os cabos foram danificados. 

Diante do problema, os ilhéus tiveram que restabelecer a conexão por meio de uma internet limitada via transmissão de rádio, uma tecnologia mais antiga. Como consequência, enviar um simples texto pode levar horas. As ligações também estão instáveis, e assistir a vídeos se tornou impossível.

Hotéis na ilha de Matsu, que recebe grande número de turistas, foram prejudicados (Foto: WikiCommons)

Para se conectar com o mundo exterior, em Matsu, uma das pequenas ilhas mais próximas da China, os 14 mil habitantes contam com dois cabos submarinos de internet que levam a Taiwan. Sem eles, estão isolados.

“Muitos turistas cancelaram suas reservas porque não há internet. Hoje em dia, a internet tem um papel muito importante na vida das pessoas”, disse Chen, que mora em Beigan, uma das principais ilhas residenciais de Matsu.

Para driblar em parte as dificuldades de acesso, alguns empresários da ilha tiveram de ir à China para comprar cartões SIM de empresas de telecomunicações chinesas. Problema é que eles só funcionam bem nas regiões mais próximas da costa chinesa, a no mínimo 10 quilômetros de distância.

Na visão de especialistas, além de desconectar as pessoas, a suposta sabotagem traz enormes implicações para a segurança nacional. Um exemplo disso ocorre na Ucrânia, onde as tropas russas fazem da destruição da infraestrutura de internet uma de suas principais estratégias.

“Não dá para descartar a hipótese de que a China destruiu os cabos de propósito”, disse Su Tzu-yun, especialista do Instituto de Defesa Nacional e Pesquisa de Segurança, think tank ligado ao governo taiwanês, citando uma pesquisa que diz que apenas a Beijing e Moscou teriam capacidade técnica para fazer isso. “Taiwan precisa investir mais recursos no reparo e proteção dos cabos”, acrescentou

Os cabos foram cortados um total de 27 vezes nos últimos cinco anos, mas não está claro de que país os responsáveis vieram, com base em dados fornecidos pela Chunghwa Telecom, a maior empresa de telecomunicações do território semiautônomo.

A guarda costeira de Taiwan perseguiu o pesqueiro que rompeu o primeiro cabo no dia 2 de fevereiro, mas a embarcação conseguiu alcançar as águas chinesas, segundo uma fonte anônima governamental com conhecimento sobre o incidente. 

Os cabos submarinos, que podem ter entre 20 e 30 milímetros de largura, são revestidos por capas de aço em águas rasas, onde há maior chance de colisão com navios. Apesar da proteção, os cabos podem ser cortados facilmente por navios e suas âncoras, ou barcos de pesca usando redes de aço.

O prejuízo é alto. O conserto de cabos pode custar aos cofres públicos US$ 1 milhão (R$ 5,1 milhões) apenas para o trabalho dos navios.

Por que isso importa?

Taiwan é uma questão territorial sensível para a China, e a queda de braço entre Beijing e o Ocidente por conta da pretensa autonomia da ilha gera um ambiente tenso, com a ameaça crescente de uma invasão pelas forças armadas chinesas a fim de anexar formalmente o território taiwanês.

Nações estrangeiras que tratem a ilha como nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio “Uma Só China“, que também vê Hong Kong como parte da nação chinesa.

Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos demais países, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal parceiro militar de Taipé. Tais circunstâncias levaram as relações entre Beijing e Washington a seu pior momento desde 1979, quando os dois países reataram os laços diplomáticos.

A China, em resposta à aproximação entre o rival e a ilha, endureceu a retórica e tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação. Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que Beijing não aceitará a independência formal do território “sem uma guerra“.

A crise ganhou contornos mais dramáticos após a visita da presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, em agosto. Foi a primeira pessoa ocupante do cargo a viajar para Taiwan em 25 anos, atitude que mexeu com os brio de Beijing. Em resposta, o exército da China realizou um de seus maiores exercícios militares no entorno da ilha, com tiros reais e testes de mísseis em seis áreas diferentes.

O treinamento serviu como um bloqueio eficaz, impedindo tanto o transporte marítimo quanto a aviação no entorno da ilha. Assim, voos comerciais tiveram que ser cancelados, e embarcações foram impedidas de navegar por conta da presença militar chinesa.

Desde então, aumentou consideravelmente a expectativa global por uma invasão chinesa. Para alguns especialistas, caso do secretário de Defesa dos EUA Lloyd Austin, o ataque “não é iminente“. Entretanto, o secretário de Estado Antony Blinken afirmou em outubro “que Beijing está determinada a buscar a reunificação em um cronograma muito mais rápido”.

As declarações do chefe da diplomacia norte-americana vão ao encontro do que disse o presidente chinês Xi Jinping no recente 20º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC). “Continuaremos a lutar pela reunificação pacífica”, disse ele ao assegurar seu terceiro mandato à frente do país. “Mas nunca prometeremos renunciar ao uso da força. E nos reservamos a opção de tomar todas as medidas necessárias”.

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