O governo Taleban no Afeganistão deu início, na quinta-feira (2), a um programa de distribuição de terras destinado a refugiados que retornaram ao país após serem repatriados do Paquistão e do Irã.
Suhail Shaheen, representante do Taleban indicado para a ONU (Organização das Nações Unidas), afirmou em entrevista à agência Anadolu que a iniciativa busca assegurar terras para a construção de moradias e para atividades agrícolas. “Os retornados merecem receber terras para reconstruir suas vidas, seja para habitação ou para cultivo”, disse Shaheen.
Ele ainda destacou que o governo insurgente, instaurado após a volta dos talibãs ao poder em agosto de 2021, “lançou diversos programas para auxiliar os repatriados”. Entre eles, a criação de empregos e a implementação de esquemas habitacionais e agrícolas.
O primeiro assentamento oficial do programa, denominado Sheikh Mati, foi estabelecido na província de Zabul, no sul do Afeganistão. A área, que abriga mais de 5.000 refugiados repatriados, possui 2.000 jeribs de terra designados para distribuição. Um jerib equivale a aproximadamente meio acre.
Segundo a agência estatal Bakhtar, o assentamento Sheikh Mati é um dos principais projetos do governo interino para reintegrar os refugiados que chegaram de países vizinhos. “É um programa abrangente que visa oferecer condições de vida dignas aos repatriados do Paquistão e do Irã”, explicou Shaheen.
O plano ocorre em um contexto de repatriações forçadas realizadas por Paquistão e Irã. Em outubro de 2023, Islamabad implementou o “Plano de Repatriação de Estrangeiros Ilegais”, que resultou no retorno de 757.008 afegãos indocumentados ao Afeganistão. A medida foi tomada mesmo após o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) pedir ao governo paquistanês que mantivesse a proteção aos refugiados mais vulneráveis.
No mesmo período, o Irã repatriou cerca de 450 mil refugiados, a maioria afegãos, nos três meses até novembro. Segundo a Organização Nacional de Migração do Irã, muitos desses refugiados não possuíam a documentação legal necessária para permanecer no país.
Apesar de ações como essa, o governo talibã enfrenta dificuldades para conquistar legitimidade global. Desde que retomou o controle do Afeganistão em 2021, o regime ainda não foi reconhecido por nenhuma nação ou organismo internacional. Esse não reconhecimento é impulsionado pelas restrições que o grupo impôs sobre a educação e a liberdade de movimento das mulheres.
Para especialistas, a falta de reconhecimento limita o acesso do país a recursos financeiros e assistência internacional, dificultando ainda mais a recuperação de uma nação devastada por décadas de guerra.
O isolamento afegão
Questões de direitos humanos representam o maior obstáculo à reinserção do Afeganistão na comunidade internacional. Sobretudo a repressão imposta às mulheres, que é classificada por muitos países e entidades humanitárias como apartheid de gênero.
As restrições às afegãs incluem a proibição de estudar, trabalhar e sair de casa sem a presença de um homem. Isso resulta na perda de emprego para muitas mulheres no país, contribuindo assim para o empobrecimento da população em geral.
A situação tornou-se ainda mais difícil nos últimos meses, após a imposição de um pacote de regras anunciado em agosto que proíbe uma série de atividades, incluindo o uso de transporte público, a execução de música e a realização de celebrações.
Entre as rígidas regras impostas, o artigo 13 exige que as mulheres cubram todo o corpo, incluindo o rosto, em público para evitar “tentação”. Elas não podem usar roupas que sejam transparentes, apertadas ou curtas. Além disso, devem se cobrir completamente, mesmo na frente de pessoas que não sejam muçulmanas, para prevenir “corrupção”.
As novas leis consideram até a voz da mulher algo “íntimo demais” para ser ouvido em espaços públicos, o que na prática as proíbe de cantar, declamar ou ler em voz alta. Elas também estão proibidas de olhar para homens que não sejam seus familiares próximos, assim como os homens não podem olhar para mulheres que não sejam suas parentes.
O documento, com 114 páginas e 35 artigos, é a primeira declaração oficial de leis sobre vícios e virtudes desde que o Taleban retornou ao poder em 2021, representando um passo importante na institucionalização de sua interpretação da lei islâmica.