Um modelo moderno, porém com as velhas características de degradação e tratamento desumano. Essa é a realidade dos uigures na província de Xinjiang, na China, condicionados ao trabalho forçado pelo governo local e vítimas de violência física e sexual. Assim afirma um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado nesta terça-feira (16) e repercutido pela rede Radio Free Asia.
Em 20 páginas, o relator especial das Nações Unidas Tomoya Obokata, com base em pesquisas independentes, testemunhas e outras fontes, descreve os métodos contemporâneos de escravidão na região, maquiados por um sistema que se propõe a buscar o desenvolvimento social. Além dos uigures, cazaques e outras minorias étnicas trabalham contra a própria vontade em setores como agricultura e manufatura.
Vista aérea de Urumqi, capital da província chinesa de Xinjiang, julho de 2017 (Foto: WikiCommons)
Os membros desses grupos são detidos e sujeitos a um treinamento profissional exigido pelo Estado. Tal sistema vocacional forçado tem conexão com um programa de alívio da pobreza, que coloca trabalhadores rurais excedentes em setores que sofrem com a escassez de mão de obra.
A região autônoma do Tibete possui métodos parecidos. Lá, um extenso programa de transferência de mão de obra deslocou agricultores, pastores e outros trabalhadores rurais para exercer atividades pouco qualificadas e de baixa remuneração, diz o documento da ONU.
“Embora esses programas possam criar oportunidades de emprego para minorias e aumentar sua renda, como alega o governo, o relator especial considera que indicadores de trabalho forçado que apontam para a natureza involuntária do trabalho prestado pelas comunidades afetadas têm estado presentes em muitos casos”, diz o parecer.
Obokata ainda relata que os trabalhadores sofrem “vigilância excessiva, condições de vida e trabalho abusivas, restrição de movimento por meio de internação, ameaças, violência física e/ou sexual e outros tratamentos desumanos ou degradantes”.
O relatório vem a público enquanto há a expectativa para que Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) divulgue ainda em agosto o aguardado estudo sobre violações coordenadas pelas autoridades chinesas em Xinjiang. No entanto, existe um receio entre os grupos de defesa dos direitos humanos que o tom do documento seja “amigável” com Beijing.
Por que isso importa?
A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.
Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.
Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.
O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.
A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.