Vizinhos do Sudeste Asiático condenam ataque que matou civis em Mianmar

Asean tentou em vão negociar o fim das hostilidades, com punições que não surtiram efeito contra o regime militar birmanês

A Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático) divulgou na quinta-feira (13) um comunicado condenando o mais recente ataque aéreo realizado pelas forças do governo de Mianmar que matou dezenas de civis, inclusive mulheres e crianças na terça-feira (11). As informações são da agência Al Jazeera.

“A Asean condena veementemente os recentes ataques aéreos relatados pelas forças armadas de Mianmar na vila de Pa Zi Gyi”, disse o bloco regional.

O bombardeio ocorreu durante a inauguração de um novo escritório do Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), movimento de resistência que estabeleceu um regime paralelo para enfrentar os militares no poder desde o golpe.

De acordo com testemunhas, o ataque matou cerca de cem pessoas, entre elas mulheres e crianças. As fontes disseram ainda que é difícil estabelecer o número exato de vítimas fatais devido à violência da ação, que deixou os corpos mutilados.

Nay Zin Latt, membro da extinta NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês), partido vencedor das eleições presidenciais de 2020 que motivaram um golpe de Estado no ano seguinte, disse que o ataque foi aberto por um jato da força aérea birmanesa que disparou duas bombas contra a multidão. Na sequência, um helicóptero disparou tiros de metralhadora.

“Todas as formas de violência devem terminar imediatamente, particularmente o uso da força contra civis”, afirma o comunicado da Asean. “Esta seria a única maneira de criar um ambiente propício para um diálogo nacional inclusivo para encontrar uma solução pacífica sustentável em Mianmar”.

O bloco regional, que inclui dez países do Sudeste Asiático, entre eles Mianmar, fez pouco progresso em uma tentativa de solucionar os conflitos, que já ganharam contornos de guerra civil. A Asean chegou a excluir o governo militar de cúpulas e conferências como forma de pressioná-lo a negociar com a oposição, mas não obteve qualquer resultado positivo.

Bandeiras dos países-membros da Asean hasteadas no Vietnã (Foto: nguyenthuanti/Pixabay)
Embargo de armas

Como a violência em Mianmar só aumenta, governos e entidades humanitárias atuam na tentativa de isolar a junta militar que governa o país e enfraquecer as forças armadas birmanesas. A ONG Anistia Internacional publicou em novembro do ano passado um relatório pedindo a interrupção da cadeia de suprimentos que permite a chegada do combustível para abastecer as aeronaves militares.

“Esses ataques aéreos devastaram famílias, aterrorizaram civis, mataram e mutilaram vítimas. Mas, se os aviões não podem reabastecer, eles não podem voar e causar estragos”, disse a secretária-geral da Anistia, Agnès Callamard.

As tentativas de encerrar o fornecimento de armas à junta, porém, têm falhado. Prova disso surgiu em 15 de dezembro de 2022, durante uma celebração do 75º aniversário da força aérea de Mianmar. Nos festejos, os militares apresentaram novos caças e helicópteros comprados de RússiaChina e Paquistão.

A ONG Human Rights Watch (HRW) diz que mais de 40 países, a maioria do Ocidente, decretaram embargos de armas contra Mianmar. No entanto, segundo o analista político e militar birmanês Hla Kyaw Zaw, “obter uma adesão mais ampla é improvável, dados os interesses concorrentes dos países”.

Hla mostra pouca esperança de que os embargos tenham efeito prático na proteção dos civis. “Mesmo que a China e a Rússia não vendessem armas aos militares de Mianmar, alguns países ocidentais o fariam”, disse ele, acrescentando que “os países do mundo nunca teriam a mesma opinião sobre quaisquer questões”.

A ONG tailandesa Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos (AAPP), que guarda um criterioso registro das mortes causadas pelos militares, confirmou até agora mais de 3,2 mil vítimas fatais da violenta repressão estatal em Mianmar. Destas, mais de 140 mortes ocorreram em ataques aéreos.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar. Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Mas o cenário mudou desde então.

O governo chinês frequentemente se coloca ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. A posição ficou evidente mais uma vez em dezembro de 2022, embora a China tenha optado por não vetar a resolução.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Entretanto, há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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