Otan precisaria injetar US$ 10 bilhões no orçamento de defesa para conter China e Rússia

Especialistas destacam os sacrifícios necessários para que os aliados ocidentais acompanhem o crescimento militar de seus rivais

O grande desafio da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) atualmente é fazer com que seus membros comprometam 2% de seu PIB (produto interno bruto) com defesa. Porém, com o avanço militar apresentado por Rússia e China ultimamente, nem mesmo o cumprimento dessa meta seria suficiente. Especialistas ouvidos pela rede Bloomberg sugerem que o momento especialmente tenso exige que os aliados ocidentais considerem uma medida extrema e comprometam ao menos 4%, repetindo assim o que se viu no auge da Guerra Fria.

Conforme cálculos feitos pela reportagem, se atingissem os 4%, os países-membros da aliança militar transatlântica adicionariam cerca de US$ 10 bilhões ao orçamento de defesa conjunto. Isso em um cenário já extremo, com os gastos militares globais tendo atingindo um recorde histórico de US$ 2,2 há dois anos. O investimento serviria para confrontar o crescimento militar dos dois maiores rivais.

Beijing anunciou em março que seu orçamento de defesa neste ano aumentará em 7,2%. Existe ainda uma diferença considerável entre os valores que o país anuncia oficialmente e o que efetivamente gasta com suas Forças Armadas. Isso porque o orçamento ignora alguns investimentos militares, como pesquisa e desenvolvimento e as compras de armas produzidas no exterior.

Soldados franceses em treino da Otan, março de 2024 (Foto: Otan/Flickr)

De acordo com o Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), os gastos reais da China com defesa tendem a ser entre 30% e 35% maiores que os números revelados oficialmente. Para se ter ideia, a estimativa é de que o país tenha investido US$ 292 bilhões no ELP em 2022, enquanto os números oficiais do governo falam em US$ 230 bilhões.

Moscou, por sua vez, voltou sua indústria aos esforços de guerra, conforme avança o conflito na Ucrânia sem perspectiva de um cessar-fogo, e compromete hoje 4,4% do PIB com defesa. Mesmo as perdas humanas podem ser respostas a longo prazo, segundo relatório recente do Gabinete da Diretora de Inteligência Nacional (ODNI, na sigla em inglês), dos Estados Unidos.

As fábricas de munições russas são tocadas de forma ininterrupta, com turnos rotativos de 12 horas, segundo uma estimativa da Otan revelada pela rede CNN. Uma situação que beneficia a Rússia não somente na guerra em curso. Também será útil após o conflito, graças à experiência adquirida que pode ser decisiva em caso de um choque direto com os EUA e seus aliados.

Do lado ocidental, a situação é distinta. Os estoques de armas e principalmente de munição foram duramente afetados, pois muitos membros da Otan vêm usando seus arsenais para equipar as Forças Armadas de Kiev. E a reposição, por ora, não é suficiente para colocar essas nações em pé de igualdade com russos e chineses.

De acordo com a aliança, a Rússia tem condições de produzir atualmente 250 mil munições de artilharia por mês, o que equivale a três milhões por ano. Mesmo somando esforços, norte-americanos e europeus conseguem chegar a apenas 1,2 milhão ao ano.

Para atingir o objetivo sugerido pelos especialistas, porém, a Bloomberg afirma que “os países mais fracos do bloco” seriam obrigados “a fazer escolhas dolorosas entre níveis ainda mais profundos de endividamento, cortes significativos em outras partes do orçamento ou então aumentos de impostos.” Nesse cenários, os mais afetados seriam França, Itália e Espanha.

Mesmo os EUA não evitariam o impacto sobre sua economia, pois comprometem hoje 3,3% dos PIB em defesa e teriam igualmente que ampliar a injeção de verba nas Forças Armadas. “Os EUA não estão nem perto de onde deveriam estar”, avalia Matthew Kroenig, especialista em segurança e estratégia do think tank Atlantic Council.

Durante a Guerra Fria, o orçamento de defesa dos EUA chegou a representar entre 9% e 11% do PIB em seu ápice. Quando as tensões com a União Soviética esfriavam, Washington ainda dedicava 6% às Forças Armadas. É nisso que o país deveria se espelhar, segundo analistas.

Por enquanto, a aliança trabalha com o quem tem em mãos. Já anunciou o plano de colocar 300 mil soldados em maior prontidão, focando-se no flanco oriental. Também aumentou a produção de munição, e alguns membros ampliaram o recrutamento militar.

Na Alemanha, uma empresa do setor de defesa anunciou no mesmo passado um projeto de expansão que lhe permitirá produzir cerca de 200 mil o projéteis por ano. Já a Dinamarca, anunciou em março que o alistamento militar no país será estendido às mulheres, de forma a aumentar o número de reservistas à disposição de suas Forças Armadas.

A perspectiva de um aumento nos gastos, entretanto, é irreal. Mesmo os 2% exigidos pela Otan não estão ao alcance de muitos membros, o que levou o candidato à presidência dos EUA Donald Trump a ameaçar abandonar os aliados que atingissem tal meta.

Segundo Simon Johnson, economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), o custo pode parecer alto agora, mas o preço a ser pago pela inação seria ainda maior. “É preciso comparar isso com o que acontece se você não gastar o dinheiro”, disse ele. “O que isso significa para o seu país, sua economia e para os investidores?”

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