Soldado russo busca asilo na Espanha e diz que testemunharia contra colegas por crimes de guerra

Desertor diz que presenciou saques e ouviu "rumores generalizados" sobre violência sexual e assassinatos de civis

Nikita Chibrin, um soldado russo de 27 anos que combateu na Ucrânia, está atualmente na Espanha, onde solicitou asilo político após desertar e fugir da Rússia. Enquanto aguarda uma definição para seu caso, ele afirmou ao jornal britânico Guardian que presenciou crimes de guerra sendo cometidos no campo de batalhas e disse que aceitaria testemunhar contra os ex-colegas em um tribunal internacional.

O militar diz que ele próprio não se envolveu em nenhum dos abusos denunciados contra as tropas russas em território ucraniano. Inclusive, afirma que não disparou um tiro sequer. “Não tenho nada a esconder”, disse ele. Mas admitiu que não pode dizer o mesmo dos demais soldados. “Esta é uma guerra criminosa que a Rússia começou. Quero fazer tudo o que puder para acabar com isso”.

Segundo Chibrin, ele foi inicialmente destacado para atuar como mecânico do exército, o que permitia acompanhar o conflito de perto. Porém, com o tempo passou a manifestar descontentamento com certas situações. “Eles ameaçaram me prender. No final, meus comandantes decidiram me usar como limpador e carregador. Fui colocado longe do campo de batalha”, afirmou.

Embora diga que se opõe à guerra, o soldado entrou no exército como voluntário, em 2021. Justifica que enfrentava dificuldades financeiras, e servir às forças armadas parecia uma forma relativamente segura de garantir o sustento. “Não pensei que estaria envolvido em nenhuma guerra”, declarou.

Quando a guerra teve início, ele foi enviado a uma região cerca de 48 quilômetros a oeste de Kiev, junto da 64ª Brigada Independente de Fuzileiros Motorizados. “Não tínhamos ideia de que iríamos lutar na Ucrânia. Fomos todos enganados”, disse.

Soldados do exército da Rússia em treinamento (Foto: reprodução/Facebook)

As alegações do soldado não foram verificadas de forma independente, mas ele apresentou fotos e documentos comprovando que realmente era membro daquela unidade. E foi justamente a 64ª Brigada Independente de Fuzileiros Motorizados que ocupou a cidade de Bucha, onde surgiram os primeiros relatos chocantes de crimes de guerra cometidos pelas forças de Moscou.

Em abril, a unidade de Chibrin chegou a receber o título honorário de “Guardas”, uma condecoração entregue pelo presidente Vladimir Putin. O decreto assinado pelo líder russo destaca o “heroísmo e coragem pela força e méritos demonstrados pela brigada em combate para defender a Pátria e os interesses do Estado em condições de conflito armado”.

O militar russo diz que, apesar de não ter presenciado nenhuma troca de tiros durante o período em que esteve no campo de batalhas, testemunhou saques praticados por colegas de unidade em residências ucranianas. “Eles saquearam tudo o que havia: Máquinas de lavar, eletrônicos, tudo”, afirmou. E diz que ouviu “rumores generalizados” de violência sexual e assassinatos de civis por membros da 64ª Brigada.

Chibrin conta que voltou à Rússia no dia 16 de junho escondido em um caminhão que foi ao país buscar alimentos. La, conseguiu ajuda na ONG de direitos humanos Gualgu.net e fugiu em novembro, chegando então à Espanha. Ele está atualmente em um abrigo temporário para refugiados e aguarda uma resposta para o pedido de asilo político.

Por que isso importa?

O governo ucraniano diz que estão em andamento investigações a respeito de mais de 25 mil crimes de guerra atribuídos às tropas russas durante o conflito. Em agosto, a procuradoria-geral do país disse que até ali havia identificado 135 pessoas ligadas a esses crimes, sendo que 15 acusados estão sob custódia.

Segundo Yuriy Bilousov, chefe do departamento de crimes de guerra da procuradoria-geral ucraniana, 13 casos de violação do direito internacional já foram levados aos tribunais, com sete sentenças emitidas. Uma delas a do soldado russo Vadim Shishimarin, primeiro militar a enfrentar um processo do gênero em quase meio ano de conflito. Ele foi condenado à prisão perpétua em maio, por matar um civil desarmado no dia 28 de fevereiro. 

As investigações de crimes de guerra conduzidas por Kiev contam com o suporte ocidental, que ajuda a financiar os esforços do governo ucraniano e também tem suas próprias equipes em ação. A Alemanha, por exemplo, disse no final de junho que analisa centenas de crimes de guerra possivelmente cometidos por tropas da Rússia.

Na mira das autoridades alemãs não estariam apenas os soldados do exército russo diretamente acusados de tais crimes. Também estariam sob investigação oficiais de alta patente e políticos suspeitos de ordenar os abusos.

Quem atua igualmente nesse sentido é o Tribunal Penal Internacional (TPI), que vê na guerra uma forma de reduzir as críticas recebidas desde sua fundação, há 20 anos. Nesse período, a corte conseguiu apenas três condenações por crimes de guerra e outras cinco por interferência na Justiça.

O TPI afirmou inclusive que planeja abrir ainda neste ano o primeiro caso contra as forças armadas da Rússia. Não foram revelados detalhes de qual poderia ser este primeiro processo, embora venha sendo debatida com Kiev a entrega de pelo menos um oficial russo ao tribunal. Trata-se de um prisioneiro de guerra disposto a testemunhar contra altos comandantes russos. 

No início de junho, a Comissão Europeia anunciou que destinaria 7,25 milhões de euros ao TPI, a fim de apoiar as investigações. “Neste contexto, é crucial garantir o armazenamento seguro de provas fora da Ucrânia, bem como apoiar as investigações e processos por várias autoridades judiciárias europeias e internacionais”, disse o órgão na ocasião.

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