Anistia Internacional classifica como ‘horríveis’ detalhes de tortura contra poeta russo 

Poeta e ativista Artem Kamardin foi espancado e estuprado com um haltere pela polícia de Moscou na segunda-feira após leitura de poesia antiguerra no fim de semana

A Anistia Internacional (AI) definiu na terça-feira (27) como “horríveis” os detalhes da tortura cometida por agentes de polícia na Rússia contra Artem Kamardin, um poeta local preso após ler uma poesia antiguerra inspirada na invasão à Ucrânia.

“Os detalhes da detenção e da tortura de Kamardin são horríveis, inclusive face aos padrões abismais dos Direitos Humanos na Federação Russa atual”, afirmou a diretora da ONG de direitos humanos para a Rússia, Natália Zviagina.

Ela ainda observou que “o mundo não deve desviar o olhar” quanto à impunidade das forças russas no que diz respeitos a violações aos direitos humanos contra opositores ao conflito e que “os responsáveis ​​serão levados à justiça por todos os crimes sob o direito internacional, incluindo crimes de guerra“.

Artem Kamardin está entre as vítimas da violência contra opositores russos (Foto: Twitter/reprodução)

Na segunda-feira (26), policiais armados invadiram a casa de Kamardin e sua namorada Aleksandra Popova. Ambos foram levados sob custódia, bem como Aleksandr Menyukov, amigo do casal. Os agentes teriam espancado Kamardin e abusado sexualmente dele usando um haltere durante as buscas na residência. Segundo Aleksandra, os agressores filmaram a ação e a forçaram a assistir à gravação.

De acordo com a versão europeia do jornal investigativo russo Novaya Gazeta, em notícia publicada na segunda (26), após as agressões, Kamardin foi obrigado pelos policiais a gravar um vídeo pedindo desculpas, no qual aparece com marcas da violência.

Diante do incidente, a AI cobra das autoridades russas uma investigação “independente, imparcial e efetiva dos relatos de tortura e outros maus-tratos” contra o poeta.

“A recusa em fazê-lo deveria ser mais um sinal para a comunidade internacional da necessidade de utilizar todos os mecanismos internacionais, regionais e nacionais aplicáveis para garantir que os responsáveis por estas violações e outros crimes de direito internacional enfrentem a justiça em julgamentos justos”, disse a entidade em nota no seu site.

A ONG OVD-Info, que monitora a repressão policial na Rússia, se manifestou no Twitter, dizendo que o suspeito confirmou à imprensa local que as forças de segurança o submeteram a violência sexual.

O grupo feminista Pussy Riot também comentou o episódio na rede social: “Nosso camarada Artem Kamardin foi torturado e estuprado com um haltere durante sua prisão. Ele enfrenta seis anos de prisão por ler poesia pró-Ucrânia nas ruas de Moscou. Putin tem que ser parado”.

Segundo o advogado do poeta, o cliente dele sofreu uma concussão, além de ter ficado com vários hematomas e outros ferimentos. As autoridades se recusaram a hospitalizá-lo, e o estado de saúde é desconhecido.

Kamardin é tratado pela Justiça como suspeito em um caso de “incitação ao ódio ou inimizade com a ameaça de violência” (Artigo 282 (2) do Código Penal Russo). A pena pode ir até seis anos de prisão.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas da Rússia desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas elevadas. A pena mais rigorosa aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.

No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova diz que pediu demissão e que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Em abril, ela foi contratada como correspondente freelancer do jornal alemão Die Welt.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

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