Anistia Internacional responsabiliza a Rússia pela morte de ‘centenas de civis’ na cidade de Kharkiv

Relatório feito com base em "extensiva investigação" aponta que até um playground teria sido alvo, com "várias crianças" atingidas

“Centenas de civis foram mortos na cidade ucraniana de Kharkiv por bombardeios russos indiscriminados usando munições cluster amplamente proibidas e foguetes inerentemente imprecisos”. A denúncia foi feita na segunda-feira (13) pela ONG Anistia Internacional, que publicou um relatório feito com base em “extensiva investigação”. Até um playground teria sido alvo, com “várias crianças” atingidas.

As munições cluster se abrem no ar e despejam uma série de bombas no solo, atingindo uma área consideravelmente maior, aumentando o dano e reduzindo as chances de as pessoas se protegerem.

O documento ressalta que a Rússia não é parte da Convenção sobre Munições Cluster ou da Convenção sobre Minas Antipessoal. Entretanto, o direito humanitário proíbe ataques indiscriminados que resultem em morte ou ferimentos de civis, ou mesmo danos a bens civis. Tais ações constituem crimes de guerra.

“O povo de Kharkiv enfrentou uma enxurrada implacável de ataques indiscriminados nos últimos meses, que mataram e feriram centenas de civis”, disse Donatella Rovera, conselheira sênior de resposta a crises da Anistia Internacional. “Pessoas foram mortas em suas casas e nas ruas, em playgrounds e cemitérios, enquanto faziam fila para receber ajuda humanitária ou compravam comida e remédios”.

Área externa de hospital em Kharkiv supostamente atingido por bombas (Foto: reprodução/Facebook)

Números divulgados pelo Departamento Médico da Administração Militar Regional de Kharkiv falam em 606 civis mortos e 1.248 feridos na região desde o começo da guerra, no dia 24 de fevereiro. A Anistia, por sua vez, diz que investigou 41 ataques aéreos russos, com 62 mortos e ao menos 196 feridos ao longo de apenas 14 dias, entre abril e maio.

Um dos playgrounds citados pela Anistia fica na rua Myru e foi bombardeado no dia 15 de abril. Ao menos nove civis foram mortos, com 35 feridos, incluindo várias crianças.

“Houve um som repentino de fogos de artifício em todos os lugares. Muitos deles, por toda parte. Vi nuvens de fumaça preta onde ocorreram as explosões. Caímos no chão e tentamos encontrar cobertura. O filho do nosso vizinho, um rapaz de 16 anos chamado Artem Shevchenko, foi morto no local”, conta a enfermeira Tetiana Ahayeva, de 53 anos.

Outro ataque relatado por testemunhas atingiu ucranianos que formavam fila em busca de ajuda humanitária. Foram ao menos seis mortes e 15 pessoas feridas. A investigação da Anistia encontrou partes de um foguete Uragan de 220 mm, que carrega 30 submunições. Ao redor da área eles também encontraram fragmentos de munições cluster e várias crateras.

Outro playground foi atingido pelas bombas russas no dia 12 de março. Uma das vítimas foi Veronica Cherevychko, de 30 anos, que perdeu a perna direita na explosão. “Eu estava sentada neste banco quando a explosão aconteceu. Lembro-me de ouvir um assobio pouco antes da explosão. Então acordei no hospital, sem uma perna. Minha perna direita se foi”, conta ela.

Já Olena Sorokina perdeu as duas pernas em outro bombardeio na mesma região, em 26 de abril. Três pessoas foram mortas naquele dia e seis ficaram feridas. Ela conta que estava sentada do lado de fora de seu prédio esperando a entrega de ajuda humanitária quando ouviu o som de um projétil voando e correu para a entrada do edifício. Acordou na ambulância, já sem uma perna. A outra foi amputada no hospital.

“Foguetes não guiados, como Grads e Uragans, que têm sido usados rotineiramente pelas forças russas, são inerentemente imprecisos, tornando-os indiscriminados quando usados em áreas povoadas”, diz a Anistia.

Entretanto, o relatório diz que Kiev também tem uma pequena parcela de responsabilidade. “As forças ucranianas, por sua vez, frequentemente lançam ataques de bairros residenciais, colocando em risco os civis nessas áreas. Tal prática viola o direito internacional humanitário, mas não justifica de forma alguma os repetidos ataques indiscriminados das forças russas”, afirma o documento.

O massacre de Bucha

A pressão global por punições à Rússia, às suas tropas e ao presidente Putin aumentou bastante depois que os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas de Bucha, quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.

As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.

“O massacre de Bucha prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em sua conta no Twitter.

Civis mortos nas ruas de Bucha cidade ucraniana (Foto: reprodução/Twitter)

Moscou, por sua vez, nega as acusações. Através do aplicativo russo de mensagens Telegram, o Ministério da Defesa russo disse que, “durante o tempo em que a cidade esteve sob o controle das forças armadas russas, nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”. O texto classifica as denúncias como “outra farsa, uma produção encenada e provocação do regime de Kiev para a mídia ocidental, como foi o caso em Mariupol com a maternidade“.

Entretanto, imagens de satélite da empresa especializada Maxar Technologies derrubam o argumento da Rússia. O jornal The New York Times realizou uma investigação com base nessas imagens e constatou que objetos de tamanho compatível com um corpo humano aparecem na rua Yablonska entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.

Mais recentemente, Kiev alegou que apenas em Mariupol, que tem sido o principal alvo das tropas russas, foram encontrados ao menos 20 mil corpos de civis mortos. E acusa os soldados russos de depositarem cerca de nove mil cadáveres em valas comuns em Manhush, uma vila próxima à cidade portuária. Ao levar os corpos para outra localidade, o objetivo das tropas de Moscou seria esconder as evidências de crimes.

Vadym Boychenko, prefeito de Mariupol, comparou a descoberta ao massacre de Babi Yar, um fuzilamento em massa comandado nas proximidades de Kiev pelos nazistas em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Os corpos de cerca de 33 mil pessoas, essencialmente judeus, foram encontrados em valas comuns na ocasião.

“O maior crime de guerra do século 21 foi cometido em Mariupol. Este é o novo Babi Yar. Então, Hitler matou judeus, ciganos e eslavos. Agora, Putin está destruindo os ucranianos”, disse Boychenko. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para impedir o genocídio”.

Os mortos de Putin

Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.

Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.

A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.

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