ARTIGO: A geopolítica do Ártico e as relações dano-americanas

Especialista debate as principais linhas históricas e políticas do relacionamento entre Washington e Copenhague

Este material foi publicado originalmente no site do CEIRI.

por Bruno Veillard

O Reino da Dinamarca é um dos mais longevos Estados que se formaram na Europa, o qual é composto pela parcela continental na região da Escandinávia e pela Groelândia e Ilhas Faroé.

Devido à localização do Estado dinamarquês, seu território é considerado estratégico, sob a perspectiva da geopolítica, pois se encontra entre o Oceano Atlântico e o Mar do Norte, cujos locais contribuem para o abastecimento de navios militares com autorização de passagem.

A Groelândia e as Ilhas Faroé adquiriram autonomia política frente à Dinamarca, respectivamente em 1979 e 1948, e desfrutam de uma estrutura político-administrativa composta pelo Alto Comissariado, o qual representa a monarquia e governo dinamarquês.

Existem também os Parlamentos unicamerais regionais: o Inatsisartut (Parlamento groenlandês), que possui 31 membros eleitos, e o Løgtingið (Parlamento feroês), que possui 33 membros eleitos. Todavia, o Chefe de Estado de ambas as ilhas e da própria Dinamarca é a Rainha Margarida II.

ARTIGO: A geopolítica do Ártico e as relações dano-americanas
Escola infantil em Uummannaq, na Groenlândia, em imagem de março de 2014 (Foto: UN Photo/Mark Garten)

As relações dano-americanas experimentaram um certo revés em 2019, por ocasião da intenção dos Estados Unidos de comprar a Groelândia. A medida recebeu críticas das autoridades danesas, às quais rechaçaram a ideia veementemente.

Entretanto, a ação ocasionou um distanciamento entre os dois Estados, levando, inclusive, ao cancelamento da visita presidencial do Mandatário estadunidense, Donald Trump, a Copenhague, capital dinamarquesa.  

Atualmente, o clima político entre os dois países apresenta sinais de amenização, pois, em julho deste ano, ocorreu a visita do Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo à Dinamarca, que viajou ao país nórdico para diminuir os resquícios das tensões políticas, e estabelecer bom relacionamento entre as partes.

Nessa perspectiva, dinamarqueses e americanos tendem a obter êxito no diálogo por causa do histórico de cooperação, o qual é retratado no comentário do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Dinamarca, Jeppe Kofod, sobre a situação no jornal “Altinget”: “Os Estados Unidos são um amigo íntimo da Dinamarca e de nossos aliados mais próximos. A relação dinamarquesa-americana é antiga e espero reafirmar nossas estreitas relações com vistas ao encontro”.

Ainda sobre essa pauta, o jornal Berlingske trouxe a opinião do professor associado do Academia Real de Defesa da Dinamarca, Jon Rahbek-Clemmensen, o qual salientou: “Simplesmente percebemos que se tratava de um erro. Então, você quer usar esta reunião para falar sobre os interesses comuns que você tem e esclarecer algumas das questões que permanecem. Acho que o objetivo da conversa é voltar um pouco mais ao normal. Essa é a situação que existia antes de os Estados Unidos proporem a compra da Groelândia”.

No que tange ao Ártico, a pauta é sensível para daneses e americanos, pois para os primeiros existe o receio de que o entorno regional se torne palco de uma tensão militar, e para os últimos a possibilidade de decréscimo de poder em área próxima de sua fronteira. A preocupação reflete a maior atividade militar da Federação Russa no Ártico e a questão de segurança internacional, todavia, os dinamarqueses e estadunidenses são parceiros de longa data

Apesar do tom de natureza conciliadora dos estadunidenses, a conversação não envolveu uma visita de cortesia, conforme assinalou o jornal Berlingske, com a declaração do ministro Jeppe Kofod, o qual mencionou: “A Rússia reabriu bases militares e há maior atividade na área. Não é um encontro de cortesia, é um encontro onde tiramos talheres do mundo que está em rápido desenvolvimento. Para o Reino, é importante que a cooperação no Ártico seja baseada em baixa tensão”.

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Geleiras no fiorde de Ilulissat, na Groenlândia, em imagem de março de 2014 (Foto: UN Photo/Mark Garten)

Junto com o secretário Pompeo e o ministro Kofod participaram do encontro o Ministro das Relações Exteriores e Energia da Groelândia, Steen Lynge, e o Ministro das Relações Exteriores das Ilhas Faroé, Jenis av Rana, os quais concordam com as precauções relacionadas à segurança internacional, todavia, ambos os governos autônomos também expressaram seus interesses regionais atrelados ao desenvolvimento.

A Groelândia é um local rico em concentração de minérios, jazidas petrolíferas e pescado, e, apesar de não ter em seu território riqueza mineral, as Ilhas Faroé é grande exportadora de pescados. Esses atributos incentivam o crescimento das economias locais, e também a luta pela exploração comercial para além dos objetivos de Copenhague. Logo, a participação no encontro com o secretário Pompeo representa diversas alternativas de impulsionar o desenvolvimento regional.

No que refere à Groelândia, o jornal Berlingske trouxe a declaração do Ministro da Groelândia, Steen Lynge, que deixou clara sua visão sobre as relações dano-americanas e o Ártico: “Haverá conflitos de interesse no meio, mas temos que resolver isso. Para o governo da Groelândia, é importante que o desenvolvimento econômico não seja prejudicado porque há divergências na Comunidade. […] Claro, segurança significa algo, você não pode contornar isso. Mas o desenvolvimento da população não deve ser prejudicado pelos interesses do indivíduo”.

No tocante as Ilhas Faroé, o jornal Sermitsiaq trouxe a declaração do ministro Jenis av Rana, que iniciou com os EUA uma articulação de cooperação no setor de pesca, e planejam uma possível abertura de representação diplomática da Ilha em território americano.

Em relação as especificidades do diálogo com o secretário Pompeo, o representante feroês disse: “O encontro é um grande passo para fortalecer a cooperação entre os Estados Unidos e as Ilhas Faroé. Temos muitos interesses semelhantes, principalmente a segurança do mundo em que vivemos. Uma colaboração reforçada com os EUA ajuda a aumentar as oportunidades de negócios, comércio, educação, pesquisa, energia, cultura, e muitas outras áreas. […] eu disse a ele que espero que possamos fazer isso depois de abrirmos uma representação em Israel. Ou seja, espero que seja feito no próximo ano”.

Os analistas observam duas linhas políticas que se apresentam nas relações dano-americanas. A primeira é a agenda de segurança entre ambos os atores, a qual é de importância substancial, seja pela questão da cooperação histórica entre Dinamarca e EUA, seja pela emergência alinhada ao xadrez geopolítico no Ártico.

A segunda abrange a relevância da agenda de segurança para a Groelândia e Ilhas Faroé, porém também é vista a ambição das regiões autônomas na busca pelos seus interesses econômicos, tendo o Ártico como ponto de articulação.

Ou seja, barganhas políticas podem ser feitas pelos representantes de Nuuk, na Groenlândia, e Tórshavn, nas Ilhas Faroe, com o propósito de fortalecerem seus objetivos regionais, os quais se concentram no desenvolvimento local.

Em suma, Copenhague apresenta em sua política com os EUA um entendimento de reciprocidade, entretanto, nessa conjunção de interesses se destaca a posição política dos dinamarqueses na defesa de seus objetivos.

Ou seja, a questão se resume na afirmação de que os daneses possuem perspectiva própria sobre o Ártico, e se os EUA desejam algo na região deverão ir negociar na Dinamarca, haja vista a visita do secretário Pompeo ao país.

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