Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do think tank Chatham House
Por Keir Giles
Um britânico foi acusado de orquestra um plano de incêndio criminoso em uma empresa ucraniana após supostamente ter sido recrutado pelos mercenários do Wagner Group.
O suspeito será julgado ao abrigo da nova Lei de Segurança Nacional do Reino Unido, no primeiro caso apresentado dentro da nova legislação para reprimir agentes estrangeiros. Outros quatro homens também foram acusados de envolvimento no plano de incêndio criminoso.
Mas o caso não deve ser visto como um incidente isolado. Uma campanha russa de sabotagem muito mais ampla e mais séria atinge toda a Europa. O mais perturbador é que os padrões de comportamento correspondem às previsões do que a Rússia tentaria fazer antes de um conflito aberto com a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Parece que existem poucas partes da Europa que não são alvo. No início de abril, a Alemanha prendeu dois indivíduos sob suspeita de planejar ataques em nome da Rússia, com uma série de alvos, incluindo bases militares dos EUA. Na Lituânia, Moscou utilizou redes criminosas para organizar ataques físicos contra figuras da oposição russa.
A polícia de segurança sueca está investigando possível sabotagem por trás de repetidos descarrilamentos em ferrovias no extremo norte do país, e os serviços de segurança da Estônia intensificaram os esforços para enfrentar russos que recrutam cidadãos para atacar seu próprio governo.
A Polônia tem sido um alvo específico. Os principais pontos logísticos para a entrega de suprimentos à Ucrânia são de interesse óbvio para a Rússia.
As detenções pelas autoridades polonesas incluem um homem que fazia o reconhecimento dos mecanismos de segurança no importante aeroporto de Rzeszow, aparentemente com a intenção de ajudar numa tentativa de assassinato do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que deveria transitar por ali.
A Polônia também interrompeu pelo menos uma rede de agentes criada para reconhecimento e sabotagem da rede ferroviária do país.
Interferência de sinal no ar e no mar
Recrutar representantes para realizar sabotagem é apenas uma das formas pelas quais a Rússia já ataca a Europa para além da Ucrânia.
Padrões semelhantes são aparentes na guerra eletrônica russa que perturba os voos em torno da região do Mar Báltico. É um problema que remonta a anos, abrange uma área em expansão da Europa e está se tornando cada vez mais grave.
Em março, foi relatado que a Rússia teria bloqueado sinais de satélite, afetando uma aeronave que transportava o secretário de Defesa do Reino Unido, Grant Shapps, da Polônia, enquanto interferência de sinal semelhante era amplamente relatada como um problema para vários voos britânicos em abril
As aeronaves na região correm há muito tempo o risco de tal interferência, mas a escala da potencial perturbação está se tornando um grande problema.
É agora considerado normal que vários sistemas de navegação estejam indisponíveis obre os mares Báltico e Negro.
Também no norte da Noruega, o bloqueio russo de GPS não só perturba diariamente o tráfego aéreo, como também prejudica o trabalho da polícia e dos serviços de emergência.
Isto não significa que voar na Europa seja inseguro. Os aviões ainda são capazes de utilizar uma série de sistemas alternativos – mas isso significa que parte da redundância integrada de sistemas para garantir uma navegação segura e evitar colisões já não está disponível.
Outra questão surge para os aeroportos que dependem de serviços baseados em GPS, uma vez que a aterrisagem se torna impossível e os voos devem desviar ou mesmo regressar ao ponto de partida.
As companhias aéreas são compreensivelmente cautelosas em chamar a atenção para uma questão que alguns passageiros podem considerar como comprometedora da sua segurança, o que contribuiu para que o problema fosse subnotificado. No entanto, os custos econômicos e os níveis de perturbação são elevados e crescentes.
Os voos entre a Finlândia e a Estônia foram repetidamente abandonados e estavam suspensos ao menos até o final de abril. O impacto crescente dos cancelamentos de voos e das aterrisagens abortadas é um custo diretamente atribuível à ação russa. Mas a inação ocidental significa que não há consequências para Moscou.
Também no mar, a Rússia atua arduamente no seu trabalho perturbador. A “frota fantasma” de Moscou com proprietários misteriosos, seguros suspeitos e registos em locais como Eswatini (um país sem litoral que não é tradicionalmente navegante) tem estado particularmente ocupado na evasão de sanções e na espionagem em torno da ilha báltica de Gotland, há muito reconhecida como um alvo-chave devido à importância para controlar tráfego marítimo e aéreo na região.
Os navios na região relataram no final de abril uma onda de interrupções no GPS, indicando que a guerra eletrônica disruptiva da Rússia acelerou e está agora afetando o tráfego marítimo de superfície.
Mais uma vez, o que parece ser um problema localizado tem impactos imediatos mais amplos em termos de perturbações e custos de transporte e taxas de seguro mais elevados, bem como as implicações a longo prazo daquilo que a Rússia pode estar se preparando para fazer.
Se nada for feito em resposta, o próximo passo lógico é Moscou tentar bloquear o GPS para o tráfego rodoviário. Com milhões de sistemas de navegação dependentes de serviços de localização GPS, isso poderia semear o caos em toda a região do Báltico.
O Ocidente deveria estar pronto para uma agressão cada vez mais ousada
Todos estes exemplos demonstram como a ação hostil da Rússia está se tornando gradualmente normalizada porque ninguém está disposto ou é capaz de lidar com ela. A Rússia ultrapassa os limites do que é aceitável, ou pelo menos aceito, ao fazer algo que deveria ser ultrajante – e depois o intensifica quando não há resposta do Ocidente.
Porém, mais pode estar em preparação. Em 2020, meus colegas e eu escrevemos um estudo para a Agência Sueca de Pesquisa de Defesa sobre o que os planejadores militares chamam de A2AD, ou antiacesso/negação de área – em outras palavras, como em caso de guerra, a Rússia poderia tentar impedir que as forças da Otan se movessem para onde fosse necessário.
O meu capítulo analisou o número de maneiras pelas quais a Rússia poderia imobilizar a Europa, mesmo antes de um conflito, sem disparar um tiro. O que é alarmante agora é que muitos dos métodos descritos – incluindo bloqueio de GPS, sabotagem, proxies locais e muito mais – já estão em funcionamento em toda a Europa e no Reino Unido.
A Rússia intensificou drasticamente a sua campanha contra o Ocidente, e isto é um sinal de perigo para o que pode vir a seguir. Os métodos da Rússia evoluíram. As quadrilhas de assassinos que percorreram a Europa na década anterior, cujos alvos incluíam Sergei Skripal em Salisbury em 2018, eram constituídas por militares e oficiais de inteligência russos.
Agora, o padrão de ataques, incluindo o recente incêndio criminoso no Reino Unido, mostra que a Rússia está recrutando freelancers para agir em seu nome.
Isso pode se dever ao fato de que seu próprio povo é facilmente identificado ou está ocupado demais atrás das linhas na Ucrânia.
Mas o padrão mostra o que há muito se sabe: que a Rússia pode sempre encontrar indivíduos sem escrúpulos para atacar os seus próprios países em nome de Moscou.
A nova Lei de Segurança Nacional do Reino Unido entrou em vigor muito cedo, uma vez que anteriormente uma vasta gama de ações hostis contra o Reino Unido em nome de potências estrangeiras eram perfeitamente legais.
A agressão cada vez mais ousada da Rússia em toda a Europa e no Reino Unido mostra que estamos todos sob ataque. Embora seja encorajador ver a nova Lei já em uso, o Ocidente deve estar preparado para ouvir muitos mais casos chocantes, à medida que a campanha da Rússia continua.