Perseguição religiosa põe Rússia e China em lista do governo dos Estados Unidos

Intolerância religiosa de Beijing tem como principal alvo os muçulmanos, enquanto Moscou tem imposto forte repressão às Testemunhas de Jeová

O Departamento de Estado norte-americano divulgou na quarta-feira (17) sua lista de países, entidades e indivíduos acusados de “flagrantes violações da liberdade religiosa”. A novidade na relação deste ano é a inclusão de China e Rússia, justamente as duas superpotências que atualmente representam maior oposição a Washington no cenário geopolítico global.

As duas nações integram uma relação de dez países que, na visão de Washington, oferecem “particular preocupação por terem se envolvido ou tolerado violações sistemáticas, contínuas e flagrantes da liberdade religiosa”. A lista inclui ainda Mianmar, Eritreia, Irã, Coreia do Norte, Paquistão, Arábia Saudita, Tadjiquistão e Turcomenistão. Já Argélia, Comores, Cuba e Nicarágua estão numa uma lista secundária de governos que se envolveram ou toleraram “graves violações da liberdade religiosa”.

O documento, assinado pelo Secretário de Estado Antony Blinken, afirma que os desafios para a liberdade religiosa “exigem um compromisso global sustentado de todos os que não estão dispostos a aceitar o ódio, a intolerância e a perseguição como status quo”. E “requerem atenção urgente da comunidade internacional”.

Os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, em julho de 2018 (Foto: Wikimedia Commons)

O texto ainda destaca o compromisso dos Estados Unidos em “trabalhar com governos, organizações da sociedade civil e membros de comunidades religiosas para promover a liberdade religiosa em todo o mundo e lidar com a situação de indivíduos e comunidades que enfrentam abusos, assédio e discriminação”.

Além dos países, a relação do governo norte-americano inclui organizações extremistas, que usam a religião para justificar suas ações violentas. Estão listados Al-Shabaab, Boko Haram, Hayat Tahrir al-Sham (HTS) da Turquia, os Houthis do Iêmen, Estado Islâmico (EI), Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS), Estado Islâmico da África Ocidental (iSWAP), Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin do Mali e o Taleban.

Casos recentes

Episódios recentes ajudam a explicar a posição de Washington. No caso da China, pesa a questão de Xinjiang, região no noroeste do país onde minorias muçulmanas são mantidas em campos de detenção, submetidas a trabalhos forçados e sofrem com a vigilância tecnológica estatal.

Mas a perseguição religiosa aos muçulmanos na China nãos e limita a Xinjiang. Desde 2018, Beijing tem obrigado as mesquitas do país a retirarem de suas fachadas duas das principais peças arquitetônicas que caracterizam os templos muçulmanos: as cúpulas e os minaretes, torres de onde são anunciados os cinco horários diários de oração.

As autoridades chinesas alegam que as cúpulas evidenciam a influência religiosa estrangeira e, dessa forma, vão contra os ideais nacionalistas do Partido Comunista Chinês (PCC). Assim, a arquitetura abertamente islâmica tem sido derrubada, a fim de remover a identidade visual e dar aos edifícios uma arquitetura tipicamente chinesa.

Na Rússia, o principal grupo alvo de perseguição religiosa são as Testemunhas de Jeová, religião classificada por Moscou como uma “seita perigosa” e cuja nomenclatura é proibida no país desde 2017. Antes mesmo da proibição, eram comuns as invasões por autoridades nacionais de reuniões dos fieis, bem como a prisão de sacerdotes e a coleta de informações e evideências capazes de incriminar a organização

Em 2015, 16 membros do grupo religioso foram acusados de extremismo depois que agentes se infiltraram e gravaram reuniões de oração em Taganrog, na região do mar de Azov. A partir de então, julgamentos em massa contra o grupo levaram à detenção de congregações inteiras após batidas policiais.

Em 2019 surgiram os primeiros relatos de tortura contra as Testemunhas de Jeová, quando membros de uma igreja de Surgut relataram choques elétricos e sufocamento em um interrogatório. A repressão se espalha por mais de 60 das 85 unidades federais da Rússia. A perseguição fez com que boa parte dos cerca de 175 mil membros do grupo religioso deixassem o país.

Por que isso importa?

Desde 2012, quando o presidente Xi Jinping assumiu o governo da China, a repressão religiosa no país se intensificou. As restrições tornaram-se ainda mais rígidas em 2018, quando entrou em vigor a atual regulamentação de assuntos religiosos no país. Somada à repressão imposta em outros setores, como os meios de comunicação e a internet, a prática religiosa tornou-se um desafio para os fieis em território chinês.

No episódio mais recente da repressão religiosa imposta pelo Partido Comunista Chinês (PCC), a Apple foi obrigada a apagar de sua loja dois aplicativos, um voltado à Bíblia cristã, outro dedicado ao Corão, o livro sagrado do Islã. De acordo com a rede britânica BBC, ambos foram vetados por Beijing por conterem textos religiosos considerados proibidos.

Mas o principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China, fazendo fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

O governo chinês refuta as acusações de abusos e classifica como “campos de reeducação” as áreas nas quais vivem milhões de uigures. O argumento de Beijing para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de que pretende evitar a radicalização dos fiéis. Entretanto, para os governos de determinados países ocidentais, como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, a ação da China configura “genocídio”.

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