Familiares contestam descaso com vítimas de naufrágio em contraste com o Titan

Barco com mais de 700 migrantes afundou na Costa da Grécia e recebeu pouca atenção das autoridades, segundo parentes dos mortos

No último dia 14 de junho, um barco superlotado com migrantes naufragou na costa da Grécia. Os números que envolvem a tragédia são imprecisos, vez que não há registro oficial dos passageiros e muitos corpos continuam desaparecidos. O que não deixa margem a dúvida, na opinião dos familiares das vitimas, é o descaso das autoridades, que destoa do comportamento em outra tragédia marítima recente, a do submersível Titan, que matou cinco pessoas.

Anees Majeed, um estudante de Direito paquistanês, perdeu cinco familiares no naufrágio do Mar Mediterrâneo. Segundo autoridades, a embarcação levava entre 700 e 750 pessoas, 350 delas cidadãos do Paquistão. O número de vítimas fatais tende a se aproximar de 500.

O jovem reclama que não houve qualquer esforço sequer para recuperar os corpos dos parentes, uma enorme diferença de tratamento na comparação com o caso do submersível. E culpa as autoridades europeias. “Poderiam ter salvado muitas pessoas se quisessem, ou pelo menos poderiam ter recuperado os corpos”, afirma.

Submersível Cyclops I, da OceanGate, mesma empresa que fabricou o Titan (Foto: Creative Commons)

O Titan desapareceu durante um passeio que custou até US$ 250 mil (R$ 1,2 milhão) a cada um dos quatro passageiros do submersível, onde estava também o CEO da OceanGate, empresa dona do veículo submarino.

As buscas começaram no dia 18 de junho, quando o Titan desapareceu, e se estenderam até o dia 22, quando destroços dele foram encontrados perto de onde repousa o Titanic, navio que afundou em 1912 e está hoje a cerca de 3,8 quilômetros de profundidade. Milhões foram gastos na tentativa de encontrar os cinco homens, operação que envolveu barcos, helicópteros e veículos submarinos não tripulados.

“Ficamos chocados ao saber que milhões seriam gastos naquela missão de resgate”, disse Majeed ao jornal britânico The Guardian, referindo-se às buscas pelo submersível. “Eles usaram todos os recursos, e muitas novidades saíram dessa busca. Mas eles não se preocuparam em procurar centenas de paquistaneses e outras pessoas que estavam no barco grego.”

Um jornalista paquistanês que pediu para ter a identidade preservada reforça a indignação. “Não é culpa de cinco homens que centenas de pessoas morreram na costa grega. Mas é culpa de um sistema em que as disparidades de classe são tão grandes”, afirmou.

Quem segue pelo mesmo é Abdul Karim, que perdeu um primo e um tio no barco. “É triste que um submarino transportando cinco pessoas ricas tenha recebido muito mais consideração, cobertura e importância do que os migrantes no barco grego”, disse.

Arsalan Khan, professor assistente de antropologia no Union College, em Nova York, lembra que dois dos passageiros do Titan eram paquistaneses, o empresário Shahzada Dawood e o filho Suleman, de 19 anos. Na visão do analista, a cobertura do episódio com o submersível apresentou pai e filho sob um olhar humano que não foi concedido às centenas de vítimas da Grécia.

Segundo o jornalista, mesmo no Paquistão a cobertura do naufrágio foi reduzida. O que ajuda a explicar o desinteresse da mídia, diz ele, é o fato de que tragédias como a da Grécia tornaram-se habituais no Mediterrâneo. No caso paquistanês, o jornalista avalia que pesa também o trauma nacional com frequentes desastres naturais e episódios de violência.

O ministro do Interior do Paquistão, Rana Sanaullah, também faz um paralelo entre o naufrágio e o terrorismo no país, que sofre com as ações sobretudo do Tehrik-e Taliban Pakistan (TTP), popularmente conhecido como Taleban do Paquistão, mas também de outros grupos provenientes do Afeganistão, como o Estado Islâmico-Khorasan (EI-K).

Sanaullah destaca que as cerca de 300 mortes de paquistaneses registradas na costa da Grécia superam qualquer balanço de vítimas de atentados terroristas recentes no Paquistão.

E, mesmo diante de uma tragédia dessa proporção, Majeed diz que muitos paquistaneses seguem dispostos a colocar suas vidas em risco. “Eu sei de uma coisa: os pobres fariam essa jornada mortal novamente, pois vivem na miséria no Paquistão e as condições econômicas são insuportáveis”, declarou. “Os governos fariam melhor em impedir isso, em vez de afogá-los em mar aberto.”

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