Jornalista e ativista antiguerra russa é colocada em prisão domiciliar

Marina Ovsyannikova ganhou fama ao protestar ao vivo na TV estatal, o que pode render a ela uma pena de dez anos de prisão

A Justiça da Rússia determinou que a jornalista Marina Ovsyannikova cumpra prisão domiciliar até o dia 9 de outubro, enquanto aguarda o julgamento de um processo que pode render uma pena de até dez anos de prisão. Ela ganhou fama global ao realizar um protesto antiguerra ao vivo na emissora estatal Canal 1 (Piervy Kanal), em março. As informações são do jornal independente The Moscow Times.

Apesar da notoriedade do episódio, não é ele que gerou a ação judicial que pode colocar a jornalista na cadeia. Ela entrou na mira da Justiça devido a um protesto solitário posterior, este realizado em frente ao Kremlin. Na ocasião, Ovsyannikova exibiu um cartaz com fotos de crianças supostamente mortas na Ucrânia e as palavras “Putin é um assassino. Seus soldados são fascistas”. No chão, colocou algumas bonecas pintadas de vermelho, simbolizando as crianças mortas. Ela não foi detida na ocasião.

Este segundo protesto público levou as autoridades a acusá-la com base em uma lei de março deste ano, que prevê punições a quem “desacreditar o uso das forças armadas”. Além de correr o risco de ser presa, Ovsyannikova recebeu duas multas devido ao seu posicionamento antiguerra. Na mais recente, em julho, foi condenada a pagar 50 mil rublos (R$ 4,2 mil).

Durante a audiência que determinou a prisão domiciliar, a jornalista foi colocada em uma cela dentro do tribunal, cercada por três agentes de segurança. O advogado dela, Dmitry Zakhvatov, se manifestou sobre o episódio no aplicativo de mensagens Telegram. Ele classificou o episódio como “doentio” e afirmou que mesmo o assino em série mais brutal da União Soviética, Andrei Chikatilo, não era vigiado tão de perto.

Marina Ovsyannikova, jornalista russa e ativista antiguerra (Foto: reprodução/Instagram)
Protesto e asilo político

A manifestação ao vivo que deu fama à jornalista ocorreu no dia 14 de março. Com a transmissão do telejornal no ar, ela surgiu repentinamente atrás da apresentadora e exibiu um cartaz escrito em russo e inglês que dizia: “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ovsyannikova ficou no ar durante alguns segundos até que o canal a tirasse de cena.

No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 2,23 mil, no câmbio atual). Mais tarde, ela anunciou que havia pedido demissão e chegou a deixar o país, tendo inclusive morado na Ucrânia e trabalhado como correspondente do jornal alemão Die Welt. Ela voltou à Rússia em julho e diz ter recusado uma oferta de asilo político na França.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Artista russa é presa por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como TwitterTelegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

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