Kremlin ordena a recuperação de abrigos antiaéreos em toda a Rússia

Em alerta para possíveis ataques, Moscou projeta gasto de milhões de rublos na recuperação de bunkers em todo o país

Sob ordens do Kremlin, velhos abrigos antiaéreos datados da extinta União Soviética passam por trabalhos de inspeção e reforma em toda a Rússia. O objetivo é recuperar a infraestrutura deteriorada desses refúgios construídos ainda nos tempos da Cortina de Ferro, com olhos abertos ao futuro da guerra na Ucrânia. As informações são do jornal independente The Moscow Times.

São milhares de bunkers, porões reforçados e outros esconderijos em desuso há décadas. E, como o atual conflito se arrasta sem previsões de um acordo de paz, o governo de Vladimir Putin considerou de bom tom investir centenas de milhões de rublos para reativá-los.

“A decisão de inspecionar a rede de abrigos antiaéreos foi tomada pelo governo na primavera (europeia)”, disse uma autoridade russa sob condição de anonimato, fazendo menção a reuniões do governo que abordaram o assunto. “O comando para uma inspeção em larga escala e para corrigir as coisas foi dado pelo Ministério de Situações de Emergência, o Ministério da Defesa e [outros] ministérios civis”, acrescentou a fonte.

Duto de ventilação de concreto de um abrigo antiaéreo da época da Guerra Fria (Foto: WikiCommons)

“Este é outro sinal óbvio de que o Kremlin de Putin não tem intenção de acabar com a guerra”, disse na segunda-feira (6) um representante da diretoria de inteligência ucraniana, Vadim Skibitskyi.

Apesar de um anúncio oficial do governo sobre as obras de reformas nas estruturas para a proteção da população civil não ter sido feito, autoridades locais têm divulgado os serviços há meses. O trabalho foi iniciado após a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022 e seguirão ao longo de 2023, detalhou outra autoridade em anonimato. Dados de código aberto e fontes do The Moscow Times sugerem que os esforços estão, de fato, ocorrendo em todo o país.  

De acordo com essas informações, autoridades locais na região sul da cidade de Krasnodar devem injetar mais de 6 milhões de rublos (R$ 427 mil) em abrigos antiaéreos neste ano. Já Nizhny Novgorod terá um investimento bem mais volumoso: serão 50 milhões de rublos (R$ 3,5 milhões).

A reforma dos bunkers também está contextualizada com os ataques contra bases aéreas dentro do território da Rússia ocorridos em dezembro, alvos muito além do alcance dos drones declarados pela Ucrânia.

Segundo autoridades russas, todos os três ataques foram contra a infraestrutura militar. O primeiro atingiu um aeródromo perto da cidade de Ryazan, distante cerca de 200 quilômetros a sudeste de Moscou. Já o segundo drone chegou até a cidade de Engels, cerca de 800 quilômetros a sudeste da capital, antes de atacar uma base aérea com o mesmo nome. O último foi registrado em um aeródromo na região de Kursk, na fronteira com a Ucrânia. 

Militarização da sociedade

O Kremlin lida com outro problema sério, que deixou tudo mais dispendioso: a maioria dos abrigos antiaéreos do país, que tinham autoridades locais como responsáveis pela manutenção, foram deixados em mau estado ou abandonados desde a dissolução do regime soviético. Agora, essas autoridades correm contra o tempo para arrumar a casa e também para impressionar seus superiores. 

“Após a mobilização, [melhorar os abrigos antiaéreos] parece uma medida necessária e uma expressão de preocupação do Estado em relação às pessoas comuns”, disse Oleg Ignatov, analista sênior da ONG International Crisis Group, voltada à resolução e prevenção de conflitos armados internacionais.

Centenas de licitações do governo aparecem no portal oficial de licitações, Zakupki.gov.ru, buscando empresas para firmar contratos de atualização de abrigos antiaéreos em regiões de todo o país. 

A retomada de abrigos antiaéreos parece ser apenas um aspecto da crescente militarização da sociedade russa desde o início do conflito no leste europeu. Isso também ficou evidente na mobilização de centenas de milhares de homens para servir às forças armadas, bem como na instalação de sistemas de defesa aérea no centro de Moscou. 

As tensões sobre se Moscou iria recorrer a armas nucleares na guerra na Ucrânia aumentaram no ano passado. A Rússia acusou a Ucrânia, sem evidências, de preparar uma “bomba suja”, artefato não nuclear que pode disseminar material radioativo. O objetivo seria culpar os invasores pelo ataque que contaminaria uma área geográfica. Isso seria um justificativa para o uso de armas nucleares por Putin.

“Está ficando assustador viver”, resumiu Oksana Balina, uma usuária local da rede social VK, o “Facebook” russo

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