Morto aos 47 anos, Navalny alertou em várias ocasiões que Moscou vinha tentando matá-lo

Rival de Putin foi envenenado, exposto ao frio extremo e privado do contato com outras pessoas nos presídios onde cumpriu pena

Isolamento, frio extremo e possível envenenamento. Essas foram algumas das condições desumanas às quais Alexei Navalny, maior rival político do presidente Vladimir Putin na Rússia, alega ter sido submetido por Moscou durante os mais de três anos que passou encarcerado. Ele morreu nesta sexta-feira (16), aos 47 anos, quando cumpria pena superior a 30 anos de prisão por acusações que sempre alegou serem politicamente motivadas.

Navalny surgiu no cenário político da Rússia ao concorrer a cargos públicos durante o governo Putin, tendo desde o início se colocado como opositor do presidente. Entrou na mira do Kremlin ao criar a Fundação Anticorrupção (FBK), que denunciava escândalos envolvendo o chefe de Estado e aliados dele.

Em agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, o ativista foi envenenado, destino comum daqueles que ousam desafiar Putin. Passou meses se recuperando em Berlim e retornou a Moscou em 17 de janeiro de 2021, sendo detido ainda no aeroporto. Um mês depois, foi julgado e condenado. Nunca mais obteve a liberdade.

Alexei Navalny, principal opositor de Vladimir Putin na Rússia (Foto: Wikimedia Commons)

Navalny cumpriu pena durante a maior parte do tempo no presídio IK-6, na região de Vladimir, a cerca de 230 quilômetros da capital russa. Invariavelmente, usava suas contas nas redes sociais para alegar que havia sido colocado na solitária, longe dos demais presos e impedido de receber visitas. Em fevereiro de 2023, disse que tal regime de isolamento estava prestes a completar um ano ininterrupto.

“Não são permitidas visitas ali. Isso significa mais de um ano sem uma visita”, afirmou Navalny na ocasião, através da rede social X, antigo Twitter. “Mesmo maníacos e assassinos em série que cumprem penas de prisão perpétua têm o direito de receber uma visita, mas eu não. Bem, as dificuldades tornam a pessoa mais resistente, embora eu não entenda por que isso também se aplica aos meus filhos”.

Advogado de Navalny, Vadim Kobzev disse à época que a cela para a qual ele havia sido transferido é conhecida como PKT. E confirmou que a punição seria imposta pelo período máximo previsto em lei, seis meses. “Essas ações não podem ser consideradas uma estratégia aberta para destruir a saúde de Navalny por todas as forças e meios”, disse o profissional.

A saúde do rival de Putin então não era um tema novo. Um mês antes, em janeiro, um grupo de médicos russos já havia alertado que Navalny estava em perigo. Os profissionais publicaram uma carta aberta, acompanhada de um abaixo-assinado, exigindo “o fim do abuso” na colônia penal. Eles destacavam os problemas de saúde e afirmavam que o governo vinha recusando inclusive a entrega de medicamentos.

“Não podemos e não temos o direito de olhar calmamente para os danos conscientes provocados à saúde do político Alexei Navalny, que acontecem na colônia correcional nº 6 do FSIN (Serviço Penitenciário Federal, da sigla em russo) na região de Vladimir”, dizia o documento. “As condições de detenção e a aparência de Alexei Navalny nos preocupam muito quanto à vida e saúde dele“.

Um dos problemas enfrentados por Navalny na prisão, além do isolamento, era o frio. Em janeiro de 2022, ele chegou a processar a IK-6 alegando que não havia recebido roupas adequadas para enfrentar as temperaturas extremas. O problema maior era a falta de botas especiais para o inverno, que são normalmente fornecidas aos presos.

“Eu realmente preciso delas (as botas)”, disse Navalny no então Twitter há pouco mais de dois anos. “Já se passaram semanas desde que toda a colônia mudou para roupas de inverno, e meus malvados guardas da prisão estão descaradamente não me dando botas de inverno.”

Segundo ele, sem o equipamento adequado era inevitável adoecer. “Pegar um resfriado não é nada se você estiver em casa com cobertor, chá e mel. Mas, em uma cela onde a água quente vem apenas em três xícaras – no café da manhã, almoço e jantar -, ficar doente é fortemente desencorajado”, declarou na oportunidade, alegando ainda que já havia ficado doente na prisão.

O frio tornou-se um drama ainda maior recentemente. Em dezembro do ano passado, o ativista passou alguns dias sem se comunicar com advogados e familiares. Seguidores, então, usaram as redes sociais para dizer que ele teve um problema de saúde classificado como “grave”, embora não tenham dado maiores detalhes. Chegou a perder uma audiência por videoconferência devido ao ocorrido.

Quando reapareceu, após quase três semanas sem dar notícias, Navalny não estava mais no IK-6. Havia sido transferido para uma colônia penal no Ártico, a IK-3, com temperaturas ainda mais baixas que em Vladimir. Ao comentar a mudança, adotou o bom-humor habitual e disse estar, embora exausto, “de bom humor, como convém a um Papai Noel.”

Envenenamento lento

A acusação mais direta de que Moscou vinha tentando matá-lo foi feita em abril de 2023 pela porta-voz Kira Yarmysh. Ela afirmou que o ativista havia queixado de uma “dor aguda” no estômago, sem receber o tratamento adequado da equipe médica da prisão. Concluiu que Navalny estava doente porque vinha sendo envenenado lentamente.

“Ninguém o está tratando e nem mesmo lhe contam o diagnóstico. Ele perdeu oito quilos (!) nos últimos 15 dias na cela de castigo”, disse a aliada do desafeto de Putin, mais uma vez condenando o isolamento a que vinha sendo submetido na prisão.

A equipe do político disse na ocasião que não recebeu qualquer justificativa oficial da equipe da prisão para as dores de estômago. Segundo a porta-voz, quando questionados, os médicos apenas disseram que “é primavera, todo mundo tem exacerbações.”

Diante da falta de um diagnóstico, Yarmysh sugeriu que Navalny vinha sendo vítima de tentativa de homicídio. “Não descartamos que durante todo esse tempo na prisão ele possa ter sido envenenado com algo que fez com que sua saúde se deteriorasse lenta, mas constantemente”, disse ela.

Navalny resistiu até esta sexta, quando morreu. A agência Reuters diz que ele “se sentiu mal” e desmaiou ao caminhar no pátio da IK-3. Uma ambulância chegou a ser chamada, de acordo com o FSIN. “Foram realizadas todas as medidas de reanimação necessárias, que não deram resultado positivo. Os médicos da ambulância constataram a morte do condenado”, disse o órgão prisional.

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