Na semana passada, as forças armadas da Ucrânia realizaram uma ofensiva que levou à retomada de praticamente toda a região de Kharkiv, no nordeste do país, uma área antes sob o controle das tropas de Moscou. Os eventos geraram críticas de aliados de Vladimir Putin, como o líder checheno Ramzan Kadyrov, e mudaram o cenário da guerra, com os russos forçados a bater em retirada de uma região estrategicamente importante.
Kiev alega que retomou mais de três mil quilômetros quadrados de território, que representariam mais do que as tropas russas haviam conquistado desde o início da guerra, de acordo com a rede CNN. Trata-se de uma posição crucial para o objetivo russo de controlar totalmente a região de Donbass e configura a maior derrota desde que as tropas de Putin foram expulsas de Kiev, ainda no início da guerra.
Izyum, uma das cidades retomadas pelos ucranianos é um importante centro logístico, onde milhares de tropas russas estavam estacionadas desde março. Ali, após a ofensiva, soldados ucranianos hastearam a bandeira nacional sobre o prédio do governo do distrito central, na praça principal.
O porta-voz do Ministério da Defesa ucraniano Igor Konashenkov disse que as perdas inimigas são de “até 250 soldados e mais de 20 equipamentos”, segundo o jornal independente The Moscow Times.
Na região de Kherson, no sul, que Kiev tem planos de retomar completamente até o final do ano, cerca de 500 quilômetros quadrados teriam sido reconquistados, de acordo com autoridades ucranianas. Natalia Humeniuk, porta-voz do Comando Sul das forças armadas da Ucrânia, disse nesta segunda (12) que a “a área foi limpa” de minas russas e que “medidas adicionais ainda estão sendo tomadas lá”.
“O bombardeio desses territórios continua, mas a população está sob jurisdição ucraniana”, disse ela.
Embora os números careçam de verificação independente, nos últimos dias ficou evidente que a vitória ucraniana foi relevante. A ponto de Ramzan Kadyrov, nomeado por Moscou como governante da Chechênia em 2007, criticar a estratégia russa, projetando que o território perdido será retomado.
“Não sou um estrategista como os do Ministério da Defesa. Mas é claro que erros foram cometidos. Acho que eles vão tirar algumas conclusões”, disse o líder checheno, segundo o jornal independente Novaya Gazeta Europa.
O governo russo tentou minimizar a derrota dizendo que suas tropas estão se reagrupando em Donetsk, região separatista que desde 2014 está sob o controle de forças pró-Moscou. Tal movimentação já estaria programada, de acordo com o Kremlin.
“Executamos uma operação de reagrupamento de nossas forças do oblast de Kharkiv ao território da RPD (República Popular de Donetsk”, disse o Ministério da Defesa, que anunciou ter eliminado “dois mil combatentes ucranianos e estrangeiros, bem como mais de cem veículos de artilharia e blindados”.
O argumento, porém, não acalmou outro aliado de Moscou, Vitaly Ganchev, principal oficial de ocupação russa em Kharkiv. Em entrevista à TV estatal russa, ele afirmou que as forças ucranianas superaram as russas em oito para um nos combates, levando à tomada de áreas no norte e permitindo que as tropas de Kiev se aproximassem da fronteira com a Rússia, conforme relato da rede BBC.
Já Igor Strelkov, ex-chefe da milícia da RPD, citou o mau treinamento das unidades russas que bateram em retirada e “a excepcional cautela das ações da aviação russa”. Por sua vez, Zakhar Prilepin, cujo canal no aplicativo de mensagens Telegram tem mais de 250 mil seguidores, classificou o ocorrido como uma “catástrofe” e uma falha absoluta da Inteligência russa, segundo a CNN.
Sem citar os desdobramentos da ofensiva ucraniana, o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov afirmou apenas que a “operação militar especial”, eufemismo estabelecido pelo Kremlin para se referir à guerra, “continuará até que todas as metas originalmente estabelecidas sejam alcançadas”, de acordo com o jornal Financial Times.
Por que isso importa?
A escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão russa ao país vizinho, no dia 24 de fevereiro, remete à anexação da Crimeia pelos russos, em 2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo ano.
Esses conflitos foram usados por Vladimir Putin como argumento para justificar a invasão integral, classificada por ele como uma “operação militar especial” a fim de libertar os cidadãos falantes de russo que vivem sobretudo nas autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk, há oito anos sob o controle de separatistas pró-Moscou no leste ucraniano.
“Tomei a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de Moscou (0h de Brasília) de 24 de fevereiro. Cerca de 30 minutos depois, as primeira explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em Mariupol, no leste do país.
No início da ofensiva, o objetivo das forças russas era dominar Kiev, alvo de constantes bombardeios, e assim tentar derrubar o presidente Volodymyr Zelensky. Entretanto, diante da feroz e inesperada resistência ucraniana, a Rússia foi forçada a mudar sua estratégia.
As tropas, então, começaram a se afastar de Kiev e a se concentrar mais no leste ucraniano, a fim de tentar assumir definitivamente o controle de Donbass. O sul ucraniano também entrou na mira de Moscou, que detinha importantes posições por ali até o início da contraofensiva ucraniana em setembro.
Em meio ao conflito, o governo da Ucrânia e as nações ocidentais passaram a acusar a Rússia de atacar inclusive alvos civis, como hospitais e escolas, dando início a investigações de dezenas de milhares crimes de guerra ou contra a humanidade possivelmente cometidos pelos soldados a serviço do Kremlin.
Um episódio que atraiu a atenção global para as atrocidades russas foi o massacre de Bucha, cidade ucraniana em cujas ruas foram encontrados dezenas de corpos após a retirada das tropas de Moscou. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.
Fora do campo de batalha, a Rússia tem sido alvo de todo tipo de sanções. As esperadas punições financeiras impostas pelas principais potencias globais sufocam a economia russa, e o país se tornou um pária global. Desde a invasão, mais de mil empresas ocidentais deixaram de operar na Rússia, seja de maneira temporária ou definitiva, parcial ou integral.