O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) denunciou uma série de maus-tratos cometidos pelo governo de Belarus contra presos políticos. Os abusos foram relatados por especialistas independentes recrutados pela ONU (Organização das Nações Unidas), com um relatório entregue ao governo belarusso exigindo providências.
“De acordo com as alegações recebidas, esses presos são submetidos a várias formas de maus-tratos, incluindo negação de assistência médica e detenções prolongadas em regime de incomunicabilidade, que em alguns casos podem equivaler a desaparecimentos forçados”, diz o órgão da ONU.
Entre as vítimas dos maus-tratos relatados pelos especialistas há defensores dos direitos humanos, ativistas políticos e membros da oposição belarussa em geral. São pessoas detidas e julgadas por terem se posicionado contra o regime de Alexander Lukashenko.
Alguns detidos não têm acesso ao mundo exterior desde os primeiros meses de 2023, sem que até hoje os familiares tenham informações sobre seu paradeiro.
“Teme-se que alguns possam ter sido submetidos a condições de risco de vida após um declínio drástico na saúde enquanto detidos”, diz o ACNUDH. “O fato de pelo menos 49 dos presos terem mais de 60 anos os torna particularmente vulneráveis a abusos e violência.”
A organização de direitos humanos Viasna diz que há atualmente 1.301 prisioneiros políticos no país. Entre eles, a ativista e estrategista política Maryia Kalesnikava, presa desde setembro de 2020 por seu envolvimento em protestos populares contra Lukashenko. Ela é mantida incomunicável há mais de 18 meses, e a preocupação com seu estado de saúde é crescente.
De acordo com o pai da ativista, Alexander Kalesnikau, que tentou visitá-la diversas vezes sem sucesso, a filha está doente. “Só posso rezar a Deus para que ela esteja viva. As autoridades ignoram meus pedidos de reuniões e cartas. É um sentimento terrível de impotência para um pai”, disse o homem em entrevista à agência Associated Press (AP).
No relatório, o ACNUDH cita o recente processo de anistia que resultou na libertação antecipada de pelo menos 115 pessoas. Afirma, no entanto, que é pouco dentro de um universo amplo de vítimas da repressão.
“Os especialistas disseram que muitos indivíduos condenados sem julgamento justo pelo exercício legítimo de seus direitos civis e políticos permanecem detidos. Além disso, estão surgindo relatos sobre novas condenações administrativas e criminais injustas”, diz a ONU.
Por que isso importa?
Belarus testemunha uma crise de direitos humanos sem precedentes, com fortes indícios de desaparecimentos, tortura e maus-tratos como forma de intimidação e assédio contra seus cidadãos. Dezenas de milhares de opositores ao regime de Lukashenko, no poder desde 1994, foram presos ou forçados ao exílio desde as controversas eleições no ano passado.
O presidente, chamado de “último ditador da Europa”, parece não se incomodar com a imagem autoritária, mesmo em meio a protestos populares e desconfiança crescente após a reeleição de 2020, marcada por fortes indícios de fraude. A porta-voz do presidente Natalya Eismont chegou a afirmar em 2019, na televisão estatal, que a “ditadura é a marca” do governo de Belarus.
Desde que os protestos populares tomaram as ruas do país após o controverso pleito, as autoridades belarussas têm sufocado ONGs e a mídia independente, parte de uma repressão brutal contra cidadãos que contestam os resultados oficiais da votação.
O desgaste com o atual governo, que já se prolonga há anos, acentuou-se em 2020 devido à forma como ele lidou com a pandemia de Covid-19, que chegou a chamar de “psicose”.
A violenta repressão imposta por Lukashenko levou muitos oposicionistas a deixarem o país. Aqueles que não fugiram são perseguidos pelas autoridades e invariavelmente presos. É o caso de Sergei Tikhanovsky, que cumpre uma pena de quase 20 anos de prisão sob acusações consideradas politicamente motivadas. Ele é marido de Sviatlana Tsikhanouskaia, candidata derrotada na eleição presidencial e hoje exilada.
Já o distanciamento entre o país e o Ocidente aumentou com a guerra na Ucrânia, vez que Belarus é aliada da Rússia e permitiu que tropas de Moscou usassem o território belarusso para realizar a invasão.