Com diplomacia, China abre nova corrida espacial e ameaça soberania dos EUA

Beijing investe na própria estação espacial, faz acordos de construção de satélites e aproveita falta de interação de Washington no setor aeroespacial

No dia 22 de outubro, a China lançou o voo espacial Shenzhou-13, a oitava missão chinesa tripulada no espaço. Com três astronautas a bordo, a missão conduz a estrutura central da futura estação espacial que a China planeja concluir até o final de 2022. É também parte de uma estratégia diplomática global que pode deixar os EUA em segundo plano e estabelece o que pode ser visto, desde já, como uma nova corrida espacial, segundo a rede Voice of America (VOA).

O plano central desse projeto chinês é transformar sua estação espacial em “plataforma para uma cooperação internacional mais profunda”, uma espécie de centro diplomático no espaço, segundo o jornal estatal China Daily. A estrutura tende a ser usada para experimentos em microgravidade e outros campos científicos, com a capacidade de aceitar a presença países incapazes de chegar à estação espacial internacional existente hoje.

“Minha impressão é de que isso é uma boa ação de relações públicas da China”, disse Marco Cáceres, diretor de estudos espaciais da empresa de análise de mercado do Teal Group. “Você já pode ver que há uma corrida espacial se desenvolvendo entre os EUA e a China”.

Foguete chinês Kuaizhou-1A lança satélite ao espaço (Foto: Xinhua.net/divulgação)

Acordos internacionais

Para muitos especialistas, a questão vai além das relações públicas. Trata-se de mais uma forma de Beijing estender seus tentáculos a outras nações, de forma similar à adotada em projetos de investimento como a Nova Rota da Seda. O Brasil é um caso emblemático, pois compartilhou tecnologia com a China para o desenvolvimento conjunto de um satélite na década de 1990.

De 2008 para cá, os chineses assinaram acordos de cooperação espacial com Argentina, Brasil, Canadá, França, Malásia, Paquistão, Rússia, Ucrânia e a Comissão Europeia, segundo informações da NASA, a agência espacial dos EUA. Através dos acordos, Beijing constrói satélites de última geração para essas nações, e dados obtidos por eles têm permitido ao governo chinês, por exemplo, atuar no combate a desastres naturais.

“Parece que os dados coletados por esses satélites são muito populares ou necessários para muitos países”, disse Yun Sun, codiretor do programa do Leste Asiático no Stimson Center, em Washington. “Portanto, para os países em desenvolvimento que não têm acesso a satélites comerciais ou informações a serem compartilhadas pelos países ocidentais, a China oferece uma alternativa útil”.

Para Richard Bitzinger, pesquisador sênior da S. Rajaratnam School of International Studies, em Cingapura, é possível projetar uma exploração espacial conjunta oferecida pela China a nações que não teriam condições de fazê-lo sozinhas.

“Acho que, mais do que tudo, o que eles estão tentando dizer é: ‘Somos o provedor de baixo orçamento. Nós somos o cara que não faz perguntas. Estamos felizes em tratá-los mais como iguais do que talvez os Estados Unidos’”, disse Bitzinger. “Para muitos países, simplesmente não há realmente uma desvantagem política ou estratégica em lidar com os chineses nessas áreas”.

A derrota definitiva dos EUA na corrida espacial pode vir justamente com os imbatíveis preços oferecidos pela China, de acordo com Bitzinger. Isso porque os países em desenvolvimento podem até sonhar com o lançamento e os serviços de satélite que a Nasa oferece, teoricamente com qualidade superior. Mas é bem provável que optem pelo preço E, nesse caso, não se pode competir com a China.

Além do preço, o que também fere as pretensões dos Estados Unidos é a baixa interação de Washington com as nações estrangeiras em questões espaciais. Segundo Alexander Vuving, professor do Daniel K. Inouye Asia-Pacific Center for Security Studies, no Havaí, não é uma questão recente. Ele destaca que os EUA parecem atualmente bem menos engajados na corrida espacial que nos tempos de Guerra Fria.

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