Enviado da ONU alerta para escalada militar ‘preocupante e perigosa’ na Síria

Após atentado em Istambul no início deste mês, Turquia lançou ataques contra o que disse serem alvos terroristas da Síria e no Iraque

A Síria precisa de menos atividade militar e mais foco no processo político. A afirmação foi feita na terça-feira (29) pelo enviado especial da ONU (Organização das Nações Unidas), Geir Pedersen, ao Conselho de Segurança. No discurso, ele apelou por moderação em meio a uma tendência preocupante de escalada. 

Pedersen diz temer que o aumento das operações militares tenha o potencial de gerar um impasse estratégico na guerra, que vive período de relativa calma há quase três anos. 

“Em repetidos briefings, alertei sobre os perigos de uma escalada militar na Síria. Estou aqui pessoalmente hoje para dizer a vocês que uma dinâmica de escalada está ocorrendo e isso é preocupante e perigoso”, afirmou. 

Ele relatou que, nos últimos meses, ataques mútuos aumentaram lentamente no norte entre as Forças Democráticas da Síria (FDS), de um lado, e Turquia e grupos armados de oposição, do outro, com a violência se espalhando pela fronteira. 

Após um atentado mortal em Istambul no início deste mês, a Turquia lançou ataques aéreos contra o que disse serem alvos terroristas no norte da Síria e no Iraque. Ataques das FDS às forças turcas e áreas controladas pela oposição armada e dentro do território turco também foram relatados. 

Enquanto isso, ataques aéreos e terrestres pró-governo mortais ocorreram em Idlib, no noroeste da Síria, a última área onde grupos rebeldes dominam, atingindo campos que abrigam deslocados internos. E foram relatados também ataques terroristas contra forças sírias em áreas controladas pelo governo. 

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Resquícios de armamentos e munição após ataque em Homs, na Síria (Foto: UN Photo)

Além disso, ataques atribuídos a Israel atingiram Damasco, Homs, Hama e Latakia, provocando fogo antiaéreo do governo sírio em resposta. Também houve relatos de ataques aéreos na fronteira entre a Síria e o Iraque, entre outros incidentes. 

“As linhas de tendência são profundamente preocupantes e carregam perigos reais de uma nova escalada ”, disse Pedersen ao Conselho. “Deixe-me, portanto, apelar alto e claramente a todos os atores para que se contenham e se engajem em esforços sérios para restabelecer a calma, avançar em direção a um cessar-fogo nacional e uma abordagem cooperativa para o combate ao terrorismo, de acordo com o direito humanitário internacional.” 

Debates no governo sírio

Nesse ínterim, Pedersen continua a trabalhar com as partes interessadas para promover o que ele chamou de “medidas de construção de confiança passo a passo” para um processo político liderado pela Síria. Ele também se envolverá com o governo durante uma visita a Damasco na próxima semana. 

No entanto, o enviado da ONU lamentou que o Comitê Constitucional sírio não se reúna há seis meses, lembrando que é o único processo que reúne representantes indicados pelo governo, oposição e sociedade civil. 

“Quanto mais tempo estiver adormecido, mais difícil será retomar. E a ausência de um processo político credível só pode promover mais conflitos e instabilidade”, afirmou. 

Abordando a situação geral na Síria, Pedersen diz que “estamos em uma espécie de bifurcação na estrada”, dado o potencial para uma retomada das principais operações militares. “Temo o que isso significaria para os civis sírios e também para uma estabilidade regional mais ampla. E temo igualmente um cenário em que a situação se agrave em parte porque não há hoje nenhum esforço sério para resolver politicamente o conflito ”, completou. 

Ele delineou os passos para o caminho a seguir, que incluem recuar da escalada e restaurar a calma relativa no terreno, bem como retomar as reuniões do Comitê Constitucional em Genebra. Tal abordagem também exige ação na frente humanitária, com mais sírios precisando de ajuda humanitária a cada ano para sobreviver, de acordo com o chefe de socorro da ONU, Martin Griffiths 

“Esperamos ver um aumento no número de pessoas que precisam de assistência humanitária de 14,6 milhões este ano para mais de 15 milhões em 2023”, disse o chefe de socorro da ONU. 

Vítimas civis

Com base nas observações do Enviado Especial, Griffiths relatou que as recentes hostilidades no norte tiveram um impacto negativo sobre os civis e a infraestrutura civil crítica. “Estou igualmente horrorizado com os assassinatos mais recentes relatados no campo de Al-Hol de duas meninas, de 12 e 15 anos. A vida lá é uma miséria, mas a morte deles é uma tragédia”, acrescentou. 

Ele lembrou aos embaixadores que o norte da Síria continua a enfrentar uma crise hídrica provocada por fatores como chuvas insuficientes, condições severas de seca, infraestrutura hídrica danificada e baixos níveis de água no rio Eufrates. 

“A atual rápida disseminação do cólera, uma doença transmitida pela água, não deve, portanto, ser uma surpresa para ninguém. Nem o fato de que o cólera também se infiltrou no Líbano, pois, como sabemos muito bem, as doenças não conhecem fronteiras”, disse ele. 

A disparada global dos preços dos alimentos também atingiu duramente os sírios, e eles estão lutando para colocar comida na mesa, enquanto outro inverno rigoroso está a caminho, com milhões de famílias vivendo em barracas. 

O chefe humanitário da ONU destacou a importância de manter a entrega de ajuda ao noroeste da Síria por meio de operações transfronteiriças de Turquia, que expirarão até o final do ano. E enfatizou a maior necessidade de paz, destacando o trabalho crítico do enviado especial da ONU. 

“O que o povo da Síria quer é me ver partir, e ele chegar; para ver a necessidade de ajuda desaparecer e a chegada da paz ser celebrada entre eles e compartilhada por eles”, disse Griffiths. “E essa, é claro, é a principal tarefa e razão de ser deste Conselho. Devemos esperar que em breve vejamos essas coisas acontecerem”. 

Conteúdo adaptado do material publicado originalmente em inglês pela ONU News

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