EUA alertaram sobre ataque do Estado Islâmico, mas Irã ainda assim foi incapaz de impedi-lo

Washington tinha conhecimento do dia e do horário em que a ação ocorreria e alertou Teerã, embora se trate de um adversário

Os serviços de inteligência dos EUA enviaram secretamente um aviso ao governo do Irã sobre a intensão do Estado Islâmico (EI) de realizar um ataque no país. Segundo uma autoridade norte-americana, que falou sob condição de anonimato ao The Wall Street Journal, o alerta continha dados suficientes para Teerã conseguir prevenir o atentado, mas ainda assim ele ocorreu.

O ataque aconteceu no dia 3 de janeiro em Kerman, cidade localizada cerca de 820 quilômetros a sudeste da capital Teerã, e deixou 95 pessoas mortas, segundo informações atualizadas divulgadas pela rede Voice of America. O alvo foi uma cerimônia em memória do general Qassem Soleimani, morto em um ataque de drone realizado pelos EUA em 2020.

Homem-bomba do EI-K no Afeganistão (Foto: reprodução de vídeo)

De acordo com a autoridade, é política norte-americana, em casos do gênero, fornecer informações capazes de ajudar mesmo um adversário como o Irã a prevenir um atentado terrorista. Dessa forma, o alerta continha data e local do possível ataque, que foi conduzido pela facção afegã do grupo extremista, o Estado Islâmico-Khorasan (EI-K). A forma como o alerta foi repassado a Teerã, porém, não foi revelada.

“O governo dos EUA seguiu uma política de longa data de ‘dever de alertar’ que tem sido implementada em todas as administrações para avisar governos de potenciais ameaças letais. Fornecemos estes avisos em parte porque não queremos ver vidas inocentes perdidas em ataques terroristas”, disse a fonte. 

De acordo com um ex-funcionário do governo dos EUA ouvido pelo Journal, há outra explicação para a posição norte-americana de alertar mesmo seus adversários. O argumento é o de que tal aviso poderia impedir Teerã de responder ao ataque de forma a criar ainda mais instabilidade no Oriente Médio, o que, se ocorresse, minaria os interesses de Washington.

Acusações iranianas

Após o ataque, algumas autoridades em Teerã prometeram vingança e afirmaram que o próprio governo norte-americano e Israel estavam por trás do ocorrido. Um que se manifestou nesse sentido foi o general Hossein Salami, que comanda o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (CGRI).

De acordo com Salami, o EI está praticamente extinto atualmente, e as ações realizadas em nome do grupo seriam conduzidas por extremistas que “apenas agem como mercenários” em prol dos interesses dos EUA e de Israel.

A acusação levou o Departamento de Estado a responder. “Os Estados Unidos não estiveram envolvidos de forma alguma, e qualquer sugestão em contrário é ridícula”, disse o porta-voz do órgão, Matthew Miller, na ocasião, segundo o jornal Times of Israel. “Não temos motivos para acreditar que Israel esteve envolvido nesta explosão”, acrescentou.

EI, EI-K e Teerã

A hostilidade do EI em relação ao Irã tem fundo religioso e sectário, e os ataques foram justificados como parte de um antigo conflito entre dois ramos do Islamismo. O grupo extremista é sunita, enquanto Teerã é predominantemente xiita. Essas duas porções têm diferenças teológicas e históricas significativas que remontam a uma disputa do século VII sobre a liderança da comunidade muçulmana após a morte do profeta Maomé.

Quanto ao EI-K, embora tenha ganhado notoriedade somente após o Taleban ascender ao poder, não é novo no cenário afegão. O grupo extremista opera no Afeganistão desde 2015 e surgiu na esteira da criação do EI do Iraque e da Síria. Foi formado originalmente por membros de grupos do Paquistão que migraram para fugir da crescente pressão das forças de segurança paquistanesas.

Desde que a ocupação estrangeira no Afeganistão terminou e que o antigo governo foi deposto, os principais alvos do EI-K têm sido a população civil e os próprios talibãs, tratados como apóstatas pelo Khorasan, sob a acusação de que abandonaram a jihad por uma negociação diplomática. Eventualmente, o grupo cruza as fronteiras afegãs e realiza ataques no exterior, com alvos no Irã e no Paquistão.

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