Iranianos denunciam espancamentos e ameaças na busca por vítimas do regime

Teerã tem recorrido à violência para forçar as famílias a permanecer em silêncio, numa tentativa de esconder a brutalidade do governo

Não são apenas as vítimas diretas da repressão imposta pelo governo do Irã que sofrem com a violência das autoridades em meio à onda de protestos que tomou o país desde setembro. Familiares de pessoas mortas, feridas ou desaparecidas nos últimos meses dizem que também foram ameaçadas ou espancadas por agentes do governo pelo simples fato de buscarem informações sobre os parentes, de acordo com a ONG Centro dos Direitos Humanos no Irã (CHRI, na sigla em inglês).

Segundo testemunhas ouvidas pela organização, o governo tem recorrido à violência para forçar as famílias a permanecer em silêncio, numa tentativa de esconder a brutalidade do regime. “Além de enforcar, disparar armas de fogo e prender iranianos para esmagar os protestos, as autoridades da República Islâmica estão atacando os familiares daqueles mortos e presos, para silenciar os gritos por justiça e liberdade”, disse o diretor executivo do CHRI, Hadi Ghaemi.

Junto da denúncia, a ONG instou “governos de todo o mundo” a “reduzir suas relações com a República Islâmica e comunicar às autoridades iranianas que o isolamento diplomático e os custos se intensificarão sem o cessar imediato da violência contra os manifestantes e suas famílias”.

Em Estocolmo, na Suécia, cidadãos protestam contra a repressão no Irã (Foto: Artin Bakhan/Unsplash)
Demissão injustificada

Além da violência física, há relatos de pessoas que perderam o emprego por terem familiares associados aos protestos. É o caso de Zeinab Molaei-Rad, inexplicavelmente suspensa do trabalho em uma escola técnica na província de Khuzestan. A denúncia partiu de uma associação de professores, segundo a qual ela está proibida de trabalhar “até novo aviso” e sem uma justificativa legal.

Molaei-Rad perdeu o filho de nove anos, Kian, morto a tiros por agentes estatais, enquanto o marido dela foi baleado e ferido. Uma fonte que falou sob condição de anonimato, para ter a segurança preservada, diz que a mulher já havia sido ameaçada por revelar que o garoto foi baleado dentro do carro.

“Oficiais de segurança a forçaram a fazer confissões falsas na televisão estatal, ameaçando interromper o tratamento do marido dela no hospital”, contou a fonte. “Para salvar o marido, a mulher enlutada teve que se sentar na frente de uma câmera de televisão e dizer que não era responsável por nenhuma postagem após a morte de Kian, pois seu Instagram estava fora de seu controle.”

A professora Atekeh Rajabi também perdeu o emprego depois de aparecer em um vídeo sem o hjijab, o véu cujo uso obrigatório ajudou a desencadear os protestos. Sem baixar a guarda, posteriormente ela emitiu um comunicado, através do sindicato dos professores, com uma mensagem dirigida ao Ministério da Educação: “Não foi você que me demitiu. Fui em que me recusei a cooperar com você”.

No caso dos advogados iranianos, a denúncia é a de cerceamento de defesa, com relatos de profissionais que optaram por deixar certos casos por serem impedidos de realizar um trabalho adequado na tentativa de livrar seus clientes. Eles dizem que são costumeiramente impedidos de acessar a denúncia e o cliente, incapazes, portanto, de preparar uma defesa adequada.

Mortos e feridos

Hossein Ekhtiarian, por sua vez, foi detido e espancado pela polícia depois de perguntar pelo irmão Mohammad, preso desde 27 de outubro de 2022, quando foi também baleado em um ato em memória da jovem Nika Shahkarami, manifestante de 16 anos que morreu supostamente nas mãos das autoridades iranianas.

Sem notícias de Mohammad desde que ele foi baleado na perna, o irmão começou a procurá-lo. “Quando Hossein começou a fazer perguntas sobre seu irmão em vários escritórios de segurança e prisões, ele também foi detido violentamente em 22 de novembro”, contou uma fonte que pediu para não ter a idade revelada. “Bateram tanto em Hossein que o braço dele quebrou”.

A CHRI afirma que ao menos 525 manifestantes, incluindo 71 crianças, foram mortos durante os protestos, com mais de 19 mil pessoas presas pelas forças de segurança. Quatro manifestantes foram executados por seu papel nos protestos, com ao menos 20 outros condenados à morte e mais 47 enfrentando acusações que podem levar à pena capital.

“As autoridades da República Islâmica detestam as condenações internacionais e a cobertura da mídia sobre suas violações de direitos humanos e atrocidades, e é por isso que estão fazendo tanto esforço para encobrir esses casos”, declarou Ghaemi. “É por isso que devemos manter os holofotes no Irã, para evitar que essas atrocidades aconteçam na escuridão”.

Por que isso importa?

Nos últimos meses, protestos populares tomaram as ruas do Irã após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que visitava Teerã, capital do país, quando foi abordada pela “polícia da moralidade” por não usar “corretamente” o hijab, o véu obrigatório para as mulheres. Sob custódia, ela desmaiou, entrou em coma e morreu três dias depois.

Os protestos começaram no Curdistão, província onde vivia Mahsa, e depois se espalharam por todo o país, com gritos de “morte ao ditador” e pedidos pelo fim da república islâmica. As forças de segurança iranianas passaram a reprimir as manifestações de forma violenta, com relatos de dezenas de mortes.

No início de outubro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório que classifica o regime iraniano como “corrupto e autocrático”, denunciando uma série de abusos cometidos pelas forças de segurança na repressão aos protestos populares.

Além dos mortos e feridos, a HRW cita os casos de “centenas de ativistas, jornalistas e defensores de direitos humanos” que, mesmo de fora dos protestos, acabaram presos pelas autoridades. Condena ainda o corte dos serviços de internet, com plataformas de mídia social bloqueadas em todo o país desde o dia 21 de setembro, por ordem do Conselho de Segurança Nacional do Irã.

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