Paquistão começa a prender afegãos sem documentação visando deportações

País abriga mais de quatro milhões de migrantes e refugiados afegãos, com cerca de 1,7 milhão deles em situação irregular, de acordo com as autoridades

Na quarta-feira (1º), o Paquistão iniciou a anunciada operação de detenção de estrangeiros em situação irregular, que começou horas antes do prazo final estabelecido no mês passado para aqueles que não estavam com os papéis em dia deixassem o país. A maioria é de origem afegã. As informações são da rede Radio Free Europe.

No começo de outubro, o Ministério do Interior divulgou um comunicado informando que os quase dois milhões de afegãos que vivem ilegalmente no país precisariam ir embora dentro de um mês, ou correriam risco de deportação. 

Na época, o chefe do departamento, Sarfraz Bugti, forneceu números mais precisos: aproximadamente 1,73 milhão de afegãos estavam em situação irregular em território paquistanês. E disse que sem a documentação necessária para permanecer no país, eles corriam o risco de serem obrigados a retornar à sua terra natal, que está sob o domínio do Taleban há mais de dois anos.

Mulher apresenta carteira de identidade fornecida pelo governo do Paquistão para os refugiados afegãos (Foto: European Union/ECHO/Pierre Prakash/Flickr)

Como parte desta operação, os expatriados do país vizinho foram transferidos para centros de trânsito, marcando um ponto de inflexão nas políticas de imigração paquistanesas.

Nos últimos dois meses, aproximadamente 200 mil cidadãos afegãos deixaram o país antes do prazo final de 1° de novembro, detalhou o governo do Paquistão.

Islamabad esclareceu que a primeira onda de deportações se concentrará naqueles sem documentação, visando exclusivamente aqueles em situação irregular no país. A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) assegura que o governo não tomará medidas contra aqueles que possuem cartões de refugiado.

De acordo com o porta-voz do Ministério dos Refugiados e Repatriação talibã, Abdul Mutaleb Haqqani, os números diários de repatriados têm sido três vezes maiores do que o habitual.

Organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional (AI), expressaram críticas à política de deportação. Segundo a ONG, devido a significativos atrasos no processo de registro, muitos recém-chegados ao Paquistão não conseguiram obter documentos de identidade, de modo a serem oficialmente reconhecidos.

A AI instou o governo a reconsiderar sua decisão, argumentando que mulheres e as jovens, em particular, enfrentariam “risco iminente” em caso de retorno. No país, elas enfrentam casamentos forçados e restrições significativas em sua participação pública, oportunidades de trabalho e acesso à educação, e a população em geral protagoniza uma das maiores crises humanitárias do mundo.

Alheia à repercussão negativa, Islamabad segue adiante com seus planos, segundo a rede BBC. O governo argumenta que está agindo dentro das suas próprias leis e destaca o histórico de acolhimento de milhões de afegãos ao longo das últimas quatro décadas.

Enquanto isso, o governo talibã insta o Paquistão a reconsiderar sua medida, classificando-a como “inaceitável”. O Ministério dos Refugiados afegão planeja registrar e abrigar os repatriados em campos temporários, enquanto o governo talibã busca oportunidades de emprego para eles.

Caos e desespero

O retorno dos afegãos do Paquistão tem sido marcado por cenas caóticas e desesperadoras. Três organizações de ajuda humanitária, o Conselho Norueguês para Refugiados (NRC), o Conselho Dinamarquês de Refugiados (DRC) e o Comitê Internacional de Resgate (IRC), relatam que muitas pessoas que fugiram da repressão voltaram ao país natal em condições precárias, segundo a rede ABC News.

Essas agências descreveram as condições como “terríveis”, com muitos enfrentando viagens exaustivas que duram vários dias, sujeitos às intempéries e, frequentemente, sendo obrigados a abrir mão de seus bens em troca de transporte, conforme declarado em um comunicado conjunto das organizações.

O número de afegãos atravessando a fronteira de volta aumentou significativamente, atingindo de nove mil a dez mil por dia, em comparação com os cerca de 300 diários registrados anteriormente, de acordo com informações levantadas por equipes de trabalhadores humanitários.

Ao retornarem, eles enfrentam a falta de abrigo, e nesse cenário as agências humanitárias temem pela sobrevivência e reintegração em um país marcado por desastres naturais, décadas de conflitos, economia instável e milhões de deslocados internos.

Taleban do Paquistão

A postura linha-dura de Islamabad contra os refugiados afegãos está relacionada ao aumento da violência do Tehrik-e Taliban Pakistan (TTP), popularmente conhecido como Taleban do Paquistão, a organização extremista mais ativa em território paquistanês.

Taleban afegão e o homônimo paquistanês são entidades separadas, mas ambos são grupos sunitas e seguem os mesmos preceitos fundamentalistas. Islamabad já usou a proximidade entre as organizações para negociar acordos de paz com o TTP, mas agora encara a boa relação entre eles como uma ameaça.

Regras de entrada mais rígidas

O Paquistão decidiu que, a partir de 1º novembro, todos os cidadãos afegãos serão obrigados a entrar no país com passaporte e visto, seguindo a mesma regra aplicada a viajantes de outros países. O objetivo é combater atravessadores ilegais, incluindo militantes e contrabandistas.

A medida, conhecida como “regime de documento único”, substitui a prática de décadas de concessão de autorizações de viagem especiais a indivíduos que vivem em tribos que abrangem a extensa fronteira de quase 2,6 mil quilômetros entre os dois países.

A ordem legal enfatiza que “nenhum outro documento será aceito para viajar do Afeganistão ao Paquistão” e instrui as autoridades de imigração a tomarem as medidas necessárias e a anunciarem essa decisão de forma visível em todos os pontos de passagem ao longo da fronteira.

A situação legal dos afegãos que vivem no Paquistão é frequentemente precária, e muitos deles estão em situação irregular devido à falta de documentação adequada. Eles migram para o país vizinho devido a conflitos, instabilidade política, perseguição do Taleban e falta de oportunidades no Afeganistão.

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