Desde que retomou o poder em 2021, os líderes talibãs no Afeganistão impuseram novas restrições às mulheres, chegando a proibi-las de cantar, declamar poesia ou levantar a voz em locais públicos, além de exigir que mantenham o rosto e o corpo cobertos em todos os momentos. A medida do grupo radical, que chegou a prometer moderação, parece implementar oficialmente a interpretação mais rigorosa da lei islâmica no país, a Sharia.
As nações ocidentais e até algumas islâmicas criticaram severamente as restrições mais rígidas impostas pelo grupo, especialmente aquelas que afetam a educação de meninas. Embora os líderes talibãs tenham expressado interesse em estabelecer laços com a comunidade internacional, essas declarações foram amplamente ignoradas. Até o momento, nenhum país reconheceu oficialmente o Taleban como o governo legítimo do Afeganistão. No entanto, nos últimos meses, o cenário político começou a se inclinar a favor dos radicais, segundo reportagem do New York Times.
Diversos países têm recebido diplomatas talibãs e enviado autoridades a Cabul para fortalecer relações e firmar acordos. Além disso, as restrições de viagem foram temporariamente suspensas para oficiais do grupo extremista, e há debates sobre a remoção dos afegãos das listas de terrorismo.

Em janeiro, a China foi o primeiro país a aceitar oficialmente um diplomata do Taleban como embaixador do Afeganistão — uma carga geralmente destinada a representantes de países formalmente reconhecidos no contexto internacional. Em agosto, os Emirados Árabes Unidos seguiram o exemplo. Especialistas avaliam essas medidas como uma estratégia para permitir que o governo do Taleban receba reconhecimento.
As empresas chinesas, aliás, já têm feito grandes negócios no país, apesar do pouco retorno, superando os desafios associados à operação sob o regime talibã, num contexto de crescentes ameaças à segurança por parte de outros grupos insurgentes ativos. A Xinjiang Central Asia Petroleum and Gas Co. assinou um contrato multimilionário de 25 anos para extrair petróleo da parte norte do Afeganistão. E os radicais também já buscaram a Huawei para implantar sistema de vigilância em massa.
Apesar da aproximação, os talibãs ainda não receberam reconhecimento oficial da China, nem de nenhum outro governo estrangeiro, como governantes de direito do Afeganistão.
Ainda em agosto, o Uzbequistão enviou seu primeiro-ministro a Cabul, marcando uma visita de mais alto nível ao Afeganistão desde a ascensão do Talibã ao poder. Além disso, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia declarou na primavera que o Kremlin estava avaliando a possibilidade de retirar o Taleban de sua lista de organizações terroristas designadas, tornando-se assim o primeiro país a fazê-lo.
O grupo extremista também obteve avanços importantes em outro cenário diplomático disputado: as missões internacionais do Afeganistão. Após a queda do governo apoiado pelos EUA em 2021, os diplomatas remanescentes ainda lideraram embaixadas e consulados e frequentemente promoveram políticas alternativas ao Taleban nos países anfitriões. No entanto, no mês passado, o Ministério das Relações Exteriores talibã anunciou que cerca de 40 embaixadas e consulados afegãos passaram a responder ao seu governo, consolidando a sua autoridade e permitindo influência em países onde muitos dos seus líderes estão impedidos de entrar devido a a proibições de viagens internacionais.
“Nossas leis”
Após agosto de 2021, com o colapso do governo afegão legítimo, o Taleban, que prometeu moderação, se mostrou mais interessado e engajado em enterrar qualquer resquício de progresso democrático. “Ninguém vai nos dizer quais devem ser nossas leis”, disse em entrevista em março de 2022 o mulá Nooruddin Turabi, um dos fundadores do grupo. “Seguiremos o Islã e faremos nossas leis no Alcorão.”
Alguns exemplos do que Turabi estava falando: sob a lei islâmica tradicional, a homossexualidade e o abandono do Islã, ou seja, a apostasia, recebem a pena de morte. O adultério é punido com açoitamento ou apedrejamento até a morte. O roubo é punível com a amputação de uma mão e um pé. Beber álcool e falsa acusação são puníveis com 40 ou 80 chicotadas.