O Taleban trabalha desde o começo do mês para implantar no Afeganistão um sistema de vigilância em massa, sob o argumento de combater a ameaça do Estado Islâmico-Khorasan (EI-K). Segundo a agência Reuters, os radicais reaproveitariam um antigo projeto feito pelos Estados Unidos, mas as novas câmeras seriam fornecidos pela Huawei, da China, país que é hoje um importante parceiro dos talibãs.
O plano de instalação das câmeras havia sido revelado pelo Ministério do Interior no início de setembro, e agora um porta-voz da pasta confirmou que a empresa chinesa foi consultada para ser parceira. A ideia é usar a vigilância para tentar enfrentar o EI-K, grupo que tem sido a principal ameaça à segurança no Afeganistão sob o regime do Taleban.
O problema incomoda inclusive o governo chinês, cujos cidadãos estiveram sob ameaça. Quando um hotel frequentado por chineses foi atacado em dezembro do ano passado, em Cabul, Beijing emitiu um comunicado a seus cidadãos para que deixassem o Afeganistão “o mais rápido possível”. O atentado não deixou vítimas, mas levou o governo chinês a intensificar a cobrança sobre o Taleban por mais segurança.
Projeto contestado
Grupos de defesa dos direitos humanos contestam o projeto de vigilância. Eles questionam de onde o Taleban tiraria o dinheiro, vez que o país vive um grave crise financeira e tem milhões de pessoas que necessitam de ajuda humanitária. Além disso, afirmam que a tecnologia poderia ser usada para ampliar a repressão contra os cidadãos.
Em um primeiro momento, as câmeras ficariam concentradas em “pontos importantes” de Cabul, um projeto que precisaria de cerca de quatro anos para ser concluído. Mapas de segurança da capital estão sendo usados como referência, um deles feito pelos EUA, outro, pela Turquia.
A fonte não explicou como foi obtido o projeto feito pelo governo norte-americano. Questionado, o Departamento de Estado dos EUA disse que não se trata de uma “parceria” e que “deixou claro aos talibãs que é responsabilidade deles garantir que não deem refúgio seguro a terroristas.”
Já o Ministério das Relações Exteriores chinês deu uma resposta evasiva aos questionamentos. “A China sempre apoiou o processo de paz e reconstrução no Afeganistão e apoiou as empresas chinesas na realização de cooperação prática relevante.”
Atualmente, Cabul já tem 62 mil câmeras de vigilância posicionadas, mas o sistema foi atualizado pela última vez em 2008, ainda durante a ocupação estrangeira. A Huawei, portanto, seria parceira em uma grande reformulação, como ocorreu com empresas chinesas de tecnologia em outros países.
Na Sérvia, em 2021, um acordo foi firmado com a Huawei para a instalação de 8,1 mil câmeras nas ruas do país, sobretudo na capital Belgrado. A parceira foi bastante questionada devido ao possível uso do sistema de reconhecimento facial, que daria ao governo uma poderosa arma para fiscalizar opositores e a população em geral.
Medida criticada
No caso do Afeganistão, o projeto do Taleban foi contestado pela ONG Anistia Internacional. Matt Mahmoudi, pesquisador e consultor da entidade, destacou o possível caráter repressivo da medida.
“A implementação de uma estrutura de vigilância em massa tão extensa sob o pretexto de ‘segurança nacional’ estabelece um modelo para os talibãs continuarem com suas políticas draconianas que violam os direitos fundamentais das pessoas no Afeganistão, especialmente das mulheres em espaços públicos”, disse.
Segundo ele, se essa infraestrutura de vigilância for instalada, minaria os direitos à privacidade, à liberdade de reunião e à liberdade de expressão, “que têm sido alvo de ataques sem precedentes desde que os talibãs assumiram o poder, resultando na erosão do Estado de direito.”
O Ministério das Relações Exteriores do Afeganistão classificou as preocupações da organização de direitos humanos como “infundadas” e negou as alegações de violações dos direitos humanos, invasão da privacidade e imposição de restrições.
Mufti Abdul Mateen Qani, porta-voz do ministério, disse que a instalação de câmeras de segurança é uma “medida necessária para a segurança não apenas no Afeganistão, mas em todas as cidades e capitais do mundo”. E acrescentou que o Taleban está “comprometido com a segurança, a proteção dos direitos das pessoas e a observância dos princípios da Sharia“, a lei islâmica.